E toda a família, e toda geração que faz o rap

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Capítulo: E toda a família, e toda geração que faz o rap

Eu não sou só eu, tá ligado? Cada vez que eu subo no palco, cada verso que solto, eu carrego a família inteira nas minhas costas. Não só a minha, mas a de cada moleque que cresceu comigo, de cada mãe que viu o filho ser tragado pelo sistema, de cada guerreiro que resistiu. O rap é a voz dessa gente, e cada geração que entra no jogo sabe que não tá rimando só por si. Tá rimando pela favela, pela quebrada, pelos sonhos que a sociedade matou antes mesmo de nascer.

Quando eu falo da minha história, eu tô falando da história de muitos. Minha mãe, uma guerreira que, mesmo quando não tinha mais forças, me empurrava pra frente. Eu lembro de cada conselho dela, cada lágrima derramada em silêncio pra não me preocupar. "Você vai ser alguém, Gabriel", ela dizia, com uma fé que, às vezes, eu nem tinha. Mas ela tinha. E quando a vida apertava, eu pensava nela. Pensava que não podia deixar toda aquela luta ser em vão.

O rap? O rap foi minha salvação. Enquanto muitos estavam na correria, vendendo qualquer coisa pra sobreviver, eu tava escrevendo. Caneta e caderno eram minhas armas. E com o tempo, fui percebendo que não era só eu que pensava assim. Tinha uma geração inteira fazendo o mesmo, transformando a dor em música, em arte. Ouvia as batidas na quebrada, os manos improvisando nas esquinas, e ali eu entendi que o rap era mais que som. Era resistência. Era a nossa verdade.

Quando falo de toda uma geração, não tô falando só dos manos que subiram no palco comigo. Tô falando das mães, dos pais, dos irmãos que ficaram em casa torcendo pra gente não se perder. Tô falando dos que vieram antes, que abriram caminho com o próprio sangue. O rap é a voz dos que foram silenciados, dos que nunca tiveram espaço nas capas de revista, mas que moldaram o que a gente é hoje.

A primeira vez que eu percebi que tava fazendo parte de algo maior foi quando vi os moleques da quebrada repetindo minhas letras. Tava no estúdio, trampando numa nova faixa, e do nada, passei por um grupo de pivetes cantando o som que eu tinha gravado na semana anterior. Eu parei. Fiquei ali, de longe, ouvindo. Eles rimavam como se fosse a coisa mais natural do mundo, como se aquelas palavras fossem deles, e de fato eram. Meu som tinha virado a trilha sonora da vida deles.

A geração que veio antes da minha já sabia o que era isso. Eles lutaram pra gente ter essa voz, pra gente não se calar. E hoje? Hoje eu vejo moleques de 10, 12 anos soltando rima, contando suas verdades através da música. Cada geração que chega, chega mais forte, mais consciente. O rap virou o grito de guerra de quem não tem nada, mas sabe que pode conquistar o mundo.

E aí, mano, chega aquela parte que você vê que o sistema também tá de olho. Os caras que sempre viraram a cara pra favela, agora tão querendo lucrar em cima do nosso som. Querem comprar a nossa voz, querem transformar o que a gente faz em produto, em moda. Eu já vi muito mano cair nesse conto, já vi nego assinar contrato sem ler as entrelinhas, achando que tava subindo na vida, mas tava só virando marionete.

Teve uma época que vieram com umas propostas pra mim. Ofereceram grana, carro, status, tudo. Mas eu já sabia qual era o jogo. “Cês querem o som, mas não querem a história”, eu pensava. Eles queriam o Gabriel famoso, mas não o Gabriel da Pedreira, não o moleque que viveu o que canta. Tentaram me moldar, me encaixar no padrão deles, mas eu não sou disso. Eu vim da lama, e é de lá que eu tiro minha força.

O rap não é só um som. O rap é nossa vida, é o que a gente respira. Os caras queriam transformar isso numa parada vendável, suave pra sociedade engolir, mas não é assim que funciona. O rap é sujo, é cru. Ele vem da dor, da revolta, e se não for isso, não é rap de verdade.

Então, quando me ofereceram aquelas propostas, eu fiz o que tinha que fazer. Recusei. Porque a minha missão é maior. Não tô aqui só pelo dinheiro, pelo status. Tô aqui pra contar a verdade da minha gente, pra mostrar que, por mais que o sistema tente, eles nunca vão calar a voz da favela.

E mano, eu fico pensando... Será que eles entendem o que a gente faz? Será que eles sabem que cada linha que a gente escreve é carregada de história, de vivência? A geração que veio antes sabia disso, e a geração que vem depois também sabe. O rap é nossa herança, é o que a gente vai deixar pros que vêm depois.

Quando eu olho pro futuro, eu vejo isso. Vejo os moleques que tão crescendo agora, que tão começando a rimar, e sei que eles vão levar o que a gente começou pra um novo nível. Eles tão vindo com força, com mais consciência, e isso me dá esperança. A favela sempre foi subestimada, mas agora a gente tá mostrando que não só existe, mas domina.

Eu já vi de tudo, mano. Já vi moleque que saiu do crime e virou empresário, já vi mina que usava o rap pra escapar da violência em casa e hoje tá nos palcos, inspirando outras garotas. O rap mudou a vida de muitos, e não é só a minha.

E o que eu mais vejo agora é isso. Gerações inteiras se levantando com o rap. O som que era marginalizado, que era considerado coisa de bandido, agora é a trilha sonora de quem quer fazer a diferença. E a gente vai continuar assim, sempre. O rap é pra sempre. É o legado que cada mano e cada mina da quebrada deixa, é a forma da nossa luta continuar viva, mesmo depois que a gente for.

Então, quando eu subo no palco, eu não tô lá só por mim. Tô lá por cada um que veio antes, por cada um que tá comigo agora, e por cada um que ainda vai vir. A favela nunca vai morrer, enquanto o rap continuar a tocar nas nossas quebradas.

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