E não, foi você quem fez, cuzão

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O sol havia nascido, mas a luz que invadia as ruas da favela não conseguia apagar a escuridão que ainda pairava sobre a vida de Gabriel. A mistura de emoções que carregava o fazia sentir um peso em seu peito, e a raiva pulsava em suas veias. Ele havia passado a noite pensando em tudo o que acontecera, em como as vozes de sua comunidade eram frequentemente silenciadas, e em como os poderosos, aqueles que viviam nos castelos de concreto, eram os verdadeiros responsáveis por essa opressão.

Era um dia como qualquer outro, mas as coisas estavam prestes a mudar. Enquanto caminhava em direção à escola, sua mente ainda martelava as injustiças que testemunhara. O amigo de infância, Ricardo, que ele considerava um irmão, havia sido detido na noite anterior. A razão? Um grupo de policiais alegara que ele estava "comportando-se de forma suspeita". Gabriel sabia que Ricardo não era um criminoso. Ele era apenas um garoto da favela tentando fazer o melhor que podia, trabalhando em um pequeno comércio para ajudar a família. “E não, foi você quem fez, cuzão”, pensou Gabriel, lembrando-se das palavras que frequentemente escutava quando os policiais o paravam sem motivo.

Aquela frase ecoava em sua mente. Era uma acusação que se tornara comum na periferia, uma chantagem que dizia que eles eram culpados até que se provasse o contrário. Os moradores da favela eram tratados como se fossem ladrões, como se suas vidas não tivessem valor. Gabriel não podia suportar mais essa injustiça. A raiva que sentia era a mesma que seu povo carregava: uma indignação silenciosa que fervia sob a superfície, esperando uma oportunidade para explodir.

Ele decidiu que era hora de agir. Com o coração acelerado, ele começou a planejar um protesto, algo que mostrasse que não iriam mais se calar. Ele se lembrou das oficinas de Maria e de como as palavras eram armas poderosas. Juntamente com seus amigos, decidiu organizar uma marcha pela comunidade. Eles escreveriam faixas, gritaria seus direitos e exigiriam justiça para Ricardo e todos os outros que haviam sido vítimas do sistema opressor.

Enquanto Gabriel se movia pelas ruas, encontrou Duda, uma jovem ativista que sempre lutara pela igualdade. Ela estava organizando um evento na praça central para discutir os direitos humanos e a violência policial. "Gabriel, você tem que participar!", ela exclamou, percebendo a intensidade de sua determinação. "Precisamos de vozes como a sua, pessoas que não têm medo de falar!"

Com um novo propósito, Gabriel começou a reunir todos os jovens da comunidade. Ele queria que todos entendessem que a luta não era apenas sobre eles, mas sobre suas famílias, seus amigos e a vida que todos levavam. "Nós não somos criminosos", ele dizia com paixão, "somos vítimas de um sistema que não vê valor em nós! E é hora de mudar isso!"

A notícia do protesto se espalhou como fogo em palha seca. Jovens e adultos começaram a se mobilizar. O dia do evento chegou, e a praça estava cheia de pessoas unidas pela mesma causa. Gabriel subiu em um pequeno palanque improvisado, seu coração batendo acelerado. Ele olhou para a multidão e, por um momento, sentiu-se pequeno diante de tantas vozes. Mas logo isso se transformou em força.

"Hoje, estamos aqui para mostrar que somos uma comunidade unida!" Ele ergueu os punhos, e o público fez o mesmo. "Estamos aqui para dizer que não aceitamos mais ser tratados como se nossas vidas não importassem! E, sim, foi você quem fez, cuzão!" A multidão gritou em resposta, uma onda de emoção percorrendo a praça.

Gabriel começou a contar a história de Ricardo, seu amigo injustamente preso, e como ele representava tantos outros que viviam o mesmo medo e a mesma indignação. "Hoje, não estamos apenas pedindo justiça para Ricardo, mas para todos nós! Somos mais do que estatísticas. Somos seres humanos, com sonhos e esperanças!"

Os gritos de apoio ecoaram em todo o lugar, e as palavras de Gabriel ressoaram com uma força inigualável. A tensão na praça era palpável, mas também havia uma energia de esperança. Ele estava determinado a mudar a percepção que o mundo tinha deles. Não seriam mais vistos como “os marginais da sociedade”, mas como pessoas com o direito de viver em paz.

Os jornais começaram a cobrir o evento, e a cidade começou a perceber que a periferia estava se levantando. Havia uma nova onda de resistência, e a ideia de que eles eram invisíveis estava mudando. Gabriel sabia que aquele era apenas o começo. As marchas e os protestos iriam continuar, e mais pessoas se juntariam à causa.

Quando o sol se pôs, iluminando a praça com um brilho dourado, Gabriel sentiu um alívio e um orgulho que nunca havia experimentado antes. A luta estava longe de acabar, mas naquele dia, ele e sua comunidade tinham mostrado que suas vozes poderiam ser ouvidas, que sua luta não era em vão. O que antes era um sussurro se tornava um grito poderoso, e a frase que antes representava impotência agora era um desafio.

“Se você não nos vê, então olhe novamente”, Gabriel pensou, sentindo a força da comunidade ao seu redor. “Estamos aqui, e estamos prontos para lutar.”

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