Eu Visto Preto Por Dentro e Por Fora

1 0 0
                                    


Gabriel:

Era mais uma noite na quebrada, e a brisa fria acariciava meu rosto enquanto eu caminhava pelas ruas. Estava vestido de preto, como sempre. Era uma escolha consciente, uma maneira de expressar a minha identidade e a luta que carregava no peito. “Eu visto preto por dentro e por fora.” Essa frase ecoava em minha mente, uma declaração que significava muito mais do que apenas uma cor.

O preto não era apenas uma cor de roupa; era uma forma de resistência, uma camada de proteção contra o mundo que muitas vezes se mostrava hostil. Era o manto que me envolvia, cobrindo não apenas meu corpo, mas também minha alma. A cor representava a dor e a luta de todos nós que crescemos nas quebradas, onde cada dia é uma batalha pela sobrevivência.

Ao passar pela praça, vi um grupo de amigos reunidos, compartilhando risadas e histórias. O ambiente tinha um ar de alegria que contrastava com a realidade dura que vivíamos. “Ei, Gabriel!” chamou o Júnior, um amigo de infância, enquanto acenava. “Vem cá, mano! Tô falando pra galera que cê é o rei da rima!”

Sorri, mas no fundo, sabia que ser o “rei da rima” era mais um rótulo que colocavam em mim. Eu apenas contava as histórias que vivia, as dores que carregava e as alegrias que encontrava nas pequenas coisas. “Valeu, Júnior, mas não sou rei de nada. Sou apenas um cara que veste preto por dentro e por fora, tentando fazer a voz da quebrada ser ouvida.”

O grupo se reuniu em torno de mim, e as conversas começaram a fluir. A música alta tocava ao fundo, e eu não pude evitar a sensação de que aquela união, aquela força, era o que realmente importava. As palavras começaram a sair, e a rima tomou conta do ar. “Escuta isso, mano!” eu disse, e comecei a rimar sobre a vida na favela, sobre as lutas e a resistência.

“Visto preto, meu irmão, na pele e na mente,
A cada dia é um desafio, uma guerra latente.
Os que vêm do gueto, com alma e sem medo,
Fazem história na quebrada, mesmo em meio ao enredo.
Os ricos observam, mas nunca entendem,
Que o amor e a luta na favela não se prendem.”

A energia do grupo aumentava, e a vibração das rimas se espalhava. O olhar de cada um ali estava focado, como se as palavras que eu falava fossem um reflexo de suas próprias vidas. Eu sabia que cada um deles vestia seu próprio preto, suas próprias cicatrizes, suas próprias lutas.

“É isso, Gabriel! Continua!” gritou o Thiago, incentivando. “Fala pra eles que a gente não tá aqui de passagem. Somos guerreiros, e essa quebrada é nossa casa!”

E assim, continuamos a rimar, cada verso trazendo à tona a realidade que vivíamos. Falamos sobre a dor, a perda, mas também sobre a força, a amizade e a luta diária. O preto que eu vestia não era apenas um símbolo; era um manifesto, uma forma de resistência.

“Eu visto preto, e isso é mais do que roupa,
É a pele, a história, é tudo que nos rouba.
Mas também é amor, é união, é verdade,
Na quebrada, encontramos nossa própria identidade.”

Enquanto as rimas ecoavam pela praça, percebi que, mesmo nas dificuldades, havia beleza. O preto que eu vestia, por dentro e por fora, era um lembrete constante de que, apesar das adversidades, éramos mais do que sobreviventes; éramos criadores, sonhadores e, acima de tudo, lutadores.

Quando a noite avançou, a energia do grupo continuava intensa. Víamos juntos o sol se pôr, refletindo sobre as lutas que ainda teríamos pela frente, mas também sobre a força que tínhamos. Vesti meu preto com orgulho, sabendo que ele era uma parte vital da minha identidade e do meu legado.

“Que venham os desafios, eu tô preparado,” pensei, enquanto a noite caía sobre a quebrada, e a música e as risadas se misturavam em um hino de resistência e amor.

---

Negro DRAMAOnde histórias criam vida. Descubra agora