Capítulo 55: Essa Estrada é Venenosa e Cheia de Morteiro
Gabriel:
A corrida não parecia ter fim. Com cada passo, o coração batia mais rápido, enquanto eu tentava deixar pra trás o pesadelo que se aproximava. Essa estrada, que já havia sido uma rota de sonhos, agora estava envenenada. “Essa estrada é venenosa e cheia de morteiro,” eu pensei, lembrando das histórias de amigos que foram pegos em emboscadas e daqueles que nunca mais voltaram.
O asfalto quente queimava meus pés, e o ar estava carregado de um cheiro de fumaça e desespero. Às vezes, eu me perguntava se algum dia conseguiríamos escapar desse ciclo de violência. “O que vai ser de nós?” a pergunta ecoava na minha mente, misturando-se com o som das sirenes que pareciam sempre mais próximas.
Nós nos esgueiramos por vielas estreitas, onde a luz do dia raramente chegava, e cada sombra parecia esconder um inimigo. O passado assombrava cada esquina; a memória de cada amigo perdido era como um peso que não me deixava respirar. Ouvindo o eco da minha respiração, lembrei de como cada dia na favela era um risco, uma roleta russa onde a sorte não estava do nosso lado.
Parando em um pequeno espaço entre dois prédios, fiz uma pausa para recuperar o fôlego. O medo e a adrenalina se misturavam com uma frustração crescente. “Por que a vida é assim? Por que é sempre tão difícil?” perguntei a mim mesmo, enquanto olhava para o céu, como se esperasse que alguém ouvisse minha súplica.
“Mano, e se a gente ficar aqui parado? Eles vão encontrar a gente,” Luiz disse, puxando-me de volta à realidade. Ele estava certo; a inércia poderia ser fatal. O movimento das sirenes ecoava nas ruas, e a vida da favela não nos permitia descansar. Nós éramos sempre alvos, sempre observados.
Decidido a não desistir, levantei a cabeça e voltei a correr, os olhos atentos ao movimento ao nosso redor. O sol estava se pondo, e a escuridão se aproximava, mas a luz do dia não trazia consolo, apenas um lembrete de que a noite poderia trazer novas ameaças.
A cada passo que dávamos, a sensação de que estávamos em um campo de batalha aumentava. “Essa estrada é venenosa e cheia de morteiro,” eu repeti mentalmente, e cada desvio que fazíamos parecia uma armadilha a mais no nosso caminho.
Por onde passávamos, o cenário era o mesmo: crianças brincando em meio aos entulhos, adultos tentando fazer o dia render com o que conseguiam, e o clima tenso de quem vive em uma guerra diária. Cada sorriso era uma máscara, cada risada uma fachada para esconder a dor. As palavras de Racionais ecoavam na minha mente, “a vida é uma batalha, e cada um tem seu papel.”
Ouvindo os gritos de um grupo de jovens à frente, nós nos aproximamos. Era uma briga, mais uma vez. O coração apertou ao ver que a violência consumia nossas vidas, e eu sabia que aquele era um caminho sem volta. “Quem somos nós se não conseguimos mudar isso?” perguntei a mim mesmo, mas a resposta era apenas um eco de frustração.
“Gabriel, vamos!” Luiz gritou, interrompendo meus pensamentos. As vozes se tornaram mais altas, e os corpos começaram a se mover rapidamente. Sabíamos que ficar ali era um risco desnecessário. Não éramos parte daquela guerra; nosso objetivo era outro, e não podíamos nos perder.
Voltamos a correr, mas o peso da realidade não me deixava. “A cada esquina, uma nova chance de morrer, de ser preso, de ser esquecido,” eu pensava. Essa estrada não era só cheia de morteiro; era um veneno que corroía nossas esperanças e sonhos. Eu queria gritar, mas a voz da razão me lembrava que em um lugar como aquele, o silêncio muitas vezes era a melhor defesa.
Então, enquanto a noite se fechava sobre nós, percebi que o verdadeiro veneno não estava nas ruas, mas na falta de escolha. Era a ausência de um futuro que nos amarrava, nos tornava reféns de um sistema que não se importava conosco. Eu queria mudar essa narrativa, mas como fazer isso quando cada dia era uma luta pela sobrevivência?
Chegamos a um pequeno campo, um espaço onde algumas pessoas se reuniam para jogar bola. Era um momento de liberdade em meio ao caos. Olhei para Luiz e outros amigos, sentindo a necessidade de não perder de vista o que realmente importava: a amizade, a luta e a esperança de dias melhores. Apesar de tudo, sabíamos que ainda éramos irmãos de batalha, prontos para enfrentar o que viesse pela frente.
E assim, continuamos, cada um de nós enfrentando suas próprias batalhas, tentando escrever nossa história em meio ao veneno e aos morteiros que nos cercavam. A vida na favela não era fácil, mas éramos guerreiros. E enquanto houver uma gota de esperança, continuaríamos lutando.
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Negro DRAMA
Historical Fiction"O Peso do Silêncio" é um romance visceral que mergulha nas profundezas da vida na periferia, inspirado no icônico "Negro Drama" dos Racionais MC's. A história acompanha Gabriel, um jovem negro que luta contra o sistema opressor que já o condenou de...