Desde o início, por ouro e prata

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Desde o início, foi assim. Ouro e prata, sangue e suor. A história que nos trouxe até aqui é a mesma que se repete nas esquinas, nas vielas, nos becos apertados que testemunham os mesmos conflitos, as mesmas traições. A diferença é que, no passado, o ouro e a prata eram metáforas de uma cobiça violenta, e hoje eles continuam brilhando, mas de outras formas: na promessa de riqueza fácil, na ilusão de poder rápido, nos brilhos falsos que nos vendem a cada esquina.

Aqui, o ouro não vem em barras. Ele é disfarçado nos luxos que os olhos grandes da favela desejam, mas que poucos realmente alcançam. Um carro do ano passando devagar, tocando funk alto. Um tênis de marca, um relógio que reluz mais que o sol. Tudo isso é o ouro e a prata da nova era, mas o preço... o preço é o mesmo de sempre: vida, dignidade, e muitas vezes, a alma.

Richard sabia disso desde cedo. Cresceu vendo o sonho do ouro nas vitrines da cidade, sentindo o peso de não ter. Ver os outros brilharem e ele, sempre na sombra. Mas o sistema é bem desenhado: faz você acreditar que pode ter tudo, mesmo quando não há caminho. E Richard caiu nessa armadilha. Ele queria, ele precisava. Porque, aqui, ter é a única forma de ser.

Aos poucos, o que era sonho virou obsessão. A prata que ele buscava era pra apagar as marcas de pobreza, as lembranças de uma infância sem nada. E quem pode culpar? Ninguém quer ficar pra trás, ninguém quer ser invisível. O mundo cobra sua parte, e quem não paga fica nas sombras. E a sombra, mais cedo ou mais tarde, engole quem não se move rápido o suficiente.

Lá fora, nos bairros nobres, o ouro é herdado, passado de geração em geração. Aqui, a gente tem que cavar, escavar o impossível, arrancar o que nos foi negado. E nessa busca desesperada, Richard perdeu mais do que ganhou. Ele trocou pedaços de si, deixando sua essência pra trás a cada novo passo em direção ao brilho ilusório.

Foi pelo ouro, foi pela prata, foi pela sobrevivência. Mas quem nunca viveu isso não entende que a ganância aqui não é por luxo. É por dignidade. Por respeito. Porque o que nos tiraram ao longo dos séculos ainda ecoa nas nossas veias. Nos ensinaram a buscar sem descanso, a acreditar que, se correr o suficiente, vai dar pra alcançar. Mas, assim como na época da colonização, são sempre os mesmos que ganham, e os mesmos que perdem.

Richard é só mais um nessa longa lista de nomes que foram sugados por esse ciclo vicioso. Mas, diferente de muitos outros, ele enxergou o preço a tempo, antes que fosse tarde demais. O problema é que, ao perceber, ele já tinha dado tanto de si que já não sabia quem era. Quando o brilho apagou, ele ficou ali, vazio, sem identidade. Porque, às vezes, quando a gente se define pelo que quer ter, esquece quem realmente é.

E agora, a prata? O ouro? Eles continuam lá, nas vitrines, nos sonhos dos meninos e meninas que crescem olhando pro impossível. Eles continuam seduzindo, chamando, prometendo uma saída. Mas Richard sabe que não há saída fácil. Não há preço baixo pra isso. E quem entra no jogo, cedo ou tarde, paga o preço.

Agora, a única questão que resta é: quanto você está disposto a perder?

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Negro DRAMAOnde histórias criam vida. Descubra agora