No Ódio

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O ódio é diferente do amor. Ele não vem com a mesma suavidade, não oferece refúgio. O ódio queima. Ele corrói por dentro, toma conta de tudo até não sobrar espaço para mais nada. E, ultimamente, eu vinha sentindo o ódio como um velho conhecido, alguém que entra sem bater, sem pedir permissão.

O dia tinha começado como qualquer outro, mas algo estava diferente. Uma tensão no ar, um peso invisível que se acumulava, prestes a explodir. E quando aconteceu, foi como se todas as amarras tivessem se soltado de uma vez. O ódio que eu guardava, que eu tentava ignorar, encontrou seu caminho para a superfície.

Tudo começou com Ana Beatriz. Ela tinha essa capacidade de me tirar do sério com o menor dos comentários. Era como se ela soubesse exatamente onde mirar para me acertar em cheio. Desde o começo, havia algo nela que me irritava, algo que me fazia questionar como alguém tão privilegiada podia ser tão cega para o mundo ao seu redor.

"Você não entende, Gabriel. Você acha que tudo se resume a vitimismo," ela disse, com aquela voz indiferente, enquanto olhava para mim com desdém. "A vida não é tão difícil assim se você parar de culpar os outros por tudo."

Aquilo foi o estopim. Eu senti o sangue ferver nas minhas veias. As palavras dela eram como facas, cada uma penetrando mais fundo do que a anterior. Tudo que eu vinha segurando há tanto tempo explodiu ali, naquele instante.

"O que você sabe sobre a minha vida?" As palavras saíram antes que eu pudesse controlar. "Você acha que entende alguma coisa? O que você sabe sobre carregar o peso de ser negro, de ser pobre, de ser ignorado desde o momento que você entra em qualquer lugar?"

Ela riu. Riu. Como se o que eu estava dizendo fosse uma piada.

"E aí está. O seu famoso discurso. Você acha que o mundo está contra você, mas a verdade é que você está contra si mesmo."

Foi como se algo dentro de mim quebrasse de vez. O ódio, que antes estava ali, latente, tomou conta de mim. Eu me vi atravessando a sala, meus punhos cerrados, cada músculo do meu corpo tenso, prestes a explodir. Mas, antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, Davi se colocou entre nós, segurando meu braço com força.

"Não, Gabriel. Não assim," ele disse, seus olhos implorando para que eu não fizesse algo que não poderia voltar atrás. "Ela não vale isso."

Ele estava certo. Ela não valia. Mas naquele momento, eu não conseguia enxergar nada além do ódio. Um ódio que não era só por ela, mas por tudo. Por todos os olhares desconfiados, por todas as portas fechadas na minha cara, por todas as vezes que minha voz foi silenciada. O ódio não era só dela — era do mundo inteiro.

Eu me afastei, mas o ódio permaneceu. Ele pulsava dentro de mim, uma ferida aberta que não cicatrizava. E quanto mais eu pensava, mais eu percebia que o ódio não era algo novo. Ele sempre esteve lá, desde que eu era criança, desde a primeira vez que fui tratado diferente por causa da cor da minha pele.

O ódio me moldou de formas que eu nem sabia explicar. Ele me endureceu, me preparou para um mundo que não queria me aceitar. E, de certa forma, eu sabia que precisava dele. Porque o amor, por mais que oferecesse conforto, não me protegia. Não me dava a força necessária para enfrentar o que eu enfrentava todos os dias.

No amor, eu era vulnerável. Mas no ódio, eu era inquebrável.

Naquela noite, quando voltei para casa, fiquei encarando o reflexo no espelho por longos minutos. Olhando para mim mesmo, tentando entender o que aquele ódio fazia comigo. Ele me dava força, sim, mas também me consumia, me afastava das pessoas que importavam. E, no fundo, eu sabia que, se deixasse, o ódio acabaria me destruindo.

Mas como abandonar algo que me mantinha de pé? Como deixar para trás o que me protegia?

O ódio era um veneno, e eu estava bebendo dele todos os dias. Sabia que, eventualmente, ele iria me matar por dentro, mas, por enquanto, ele era tudo o que eu tinha.

E, naquele momento, eu não estava pronto para deixá-lo ir.

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