Olha quem morre, então

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A notícia chegou como chegam todas aqui: rápida, atravessando as bocas, passando de um para outro até virar verdade. No meio da tarde abafada, o calor sufocante e a poeira subindo nas vielas, alguém murmurou, e logo todo mundo sabia. Richard tinha caído. Era mais um que tinha sucumbido, mais um nome que viraria lamento nas esquinas, nas rodas de conversa ao redor dos bares.

Olha quem morre, então.

Aqueles que cresceram ao lado dele, que viram sua ascensão e sua queda, se entreolhavam, tentando processar. Como sempre, as histórias corriam, cada uma pintando uma versão diferente do final. Alguns diziam que foi por causa de uma dívida. Outros que ele simplesmente se cansou, que não aguentava mais o peso que carregava. E havia aqueles que não diziam nada, porque, na favela, o silêncio às vezes é a única proteção.

Mas a verdade? A verdade é que ninguém sabia ao certo. Só sabiam que ele estava ali, estirado no chão sujo, o sangue misturado à terra, cercado pela mesma pobreza que ele tanto tentou fugir. O ouro e a prata, que um dia ele cobiçou, agora pareciam tão distantes, tão irreais. Porque, no final, tudo o que restou foi o vazio, o eco de uma vida que se foi rápido demais, sem aviso, sem redenção.

Richard era um dos nossos, mas também era uma advertência viva. Ele era o reflexo de um sistema que sempre pede mais do que a gente pode dar, que te arrasta pro fundo sem te ensinar a nadar. E quando você não aguenta mais, quando seus braços fraquejam, o sistema te engole. E aí? Olha quem morre.

A favela chorava. Não porque a morte fosse novidade – aqui, ela faz parte da rotina. Mas porque cada vez que um dos nossos caía, era como se uma parte de nós fosse junto. Um pedaço da alma coletiva da comunidade se quebrava. E, mesmo que as pessoas soubessem que isso ia acontecer, porque sempre acontece, ainda doía. Porque, no fundo, ninguém quer aceitar que isso é o destino inevitável de quem ousa sonhar demais.

No canto, Maria observava tudo, calada. A dor que ela sentia era diferente da dos outros. Era mais profunda, mais pessoal. Ela conhecia Richard de uma maneira que ninguém mais conhecia. Sabia dos seus medos, dos seus traumas, dos seus sonhos. Sabia o quanto ele lutou, o quanto ele se perdeu no meio dessa luta. E agora, tudo o que restava eram memórias e uma sensação sufocante de que ela deveria ter feito algo, dito algo, antes que fosse tarde demais.

Mas agora era tarde.

Olha quem morre, então. Morrem aqueles que a sociedade rejeitou, que o sistema jogou nas margens. Morrem os que sonharam além do permitido, que tentaram escapar de uma realidade que sempre os puxava de volta. E, de certa forma, morremos todos um pouco junto com eles. Cada vida que se apaga aqui carrega um pedaço de nós, uma parte que nunca mais será a mesma.

Richard não seria o último. Todos sabiam disso. Mas isso não tornava a perda menos amarga, nem o fim menos trágico. Olha quem morre, então. Morre aquele que tentou, que correu atrás do brilho, mas que foi tragado pela escuridão que sempre esteve à espreita.

E quem fica, carrega o fardo de lembrar. De contar a história. Porque, no final, é isso que a favela faz: mantém a memória viva, mesmo quando a morte tenta silenciar. E enquanto houver alguém para lembrar, enquanto houver alguém para contar a história, Richard não estará completamente morto.

Mas hoje, aqui, ele se foi. E o que resta é o eco de sua ausência. E a pergunta silenciosa no ar: quem será o próximo?

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