Tim-tim, um brinde pra mim

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Gabriel:

Hoje, ao olhar para o espelho, vejo não apenas o reflexo do meu rosto, mas as marcas de cada batalha que já enfrentei. Cada cicatriz, cada ruga, cada expressão de dor e resistência conta uma parte da minha história. Estou aqui, de pé, não só como Gabriel, mas como um símbolo de todos aqueles que lutam para ter sua voz ouvida.

Lembro-me de quando tudo parecia desmoronar ao meu redor. A favela, com suas vielas apertadas e casas coloridas, sempre foi minha casa, mas também um campo de batalha. Desde pequeno, a vida me ensinou que as oportunidades são raras e que a luta pela dignidade é incessante. Vi amigos caírem, vítimas de um sistema que não vê o valor da vida nas periferias. Mas, ao mesmo tempo, vi a força da comunidade, a união que nasce do sofrimento e da esperança.

Nos últimos meses, meu caminho se entrelaçou com o de Letícia e outros jovens que decidiram que não iríamos mais nos calar. Nós nos tornamos “As Lâminas”, e a ideia de que éramos a própria navalha, cortando as correntes que nos prendiam, tomou forma. A cada reunião, a cada ato, sentíamos que estávamos escrevendo uma nova história, uma que nos pertencia.

Lembro-me da noite em que tudo mudou. A atmosfera estava carregada de tensão enquanto organizávamos um evento para arrecadar fundos e apoio para a nossa causa. As vozes da comunidade se uniam, e o orgulho enchia nossos corações. Naquela noite, nos encontramos cercados, e o medo tentou se instalar. Mas não era apenas o medo de ser agredido; era o medo de perder tudo pelo que havíamos lutado.

Quando o líder dos rivais nos ameaçou, vi a determinação nos olhos de Letícia. E naquele momento, algo dentro de mim se acendeu. “Nós somos mais do que suas ameaças!”, eu gritei, sentindo cada palavra reverberar em meu ser. Lutar não era apenas um ato físico; era uma afirmação da nossa existência. E, naquele instante, eu percebi que era hora de mudar a narrativa.

A pressão não era apenas externa, mas interna também. A necessidade de proteger minha família, de manter a comunidade unida e de não desistir da luta pesava em mim. Cada passo que dava em frente era um desafio, mas também era um brinde à vida. Era um brinde aos que se foram e aos que ainda lutavam ao meu lado. Era um “tim-tim” à resistência, à coragem de quem se recusa a ser silenciado.

Com a ajuda de Letícia e dos outros, começamos a construir uma rede de apoio na comunidade. Criamos um espaço onde a juventude podia se expressar, onde podíamos falar sobre nossas dores, nossas vitórias e nossos sonhos. Era um espaço seguro, onde a solidariedade florescia. A arte se tornou nossa aliada: grafites nas paredes contavam histórias de resistência e esperança, e as vozes dos poetas ecoavam pela favela, celebrando a luta e a identidade.

Sim, muitas vezes me vi sozinho, mas nunca estive realmente só. As histórias dos meus amigos, das mães que lutam para sustentar suas famílias, dos pais que saem para trabalhar sabendo que podem não voltar, tudo isso ecoava em minha mente. Eles eram a razão pela qual eu não podia desistir. Eu não poderia permitir que o medo ofuscasse a luz da mudança que começávamos a construir.

E, sim, às vezes a dor era intensa. Lidar com a perda de amigos, com a tristeza de ver a desigualdade em nossa sociedade, tudo isso pesava no coração. Mas também era essa dor que me impulsionava a lutar ainda mais. Eu não era mais apenas um espectador da minha vida; eu era o protagonista, e estava decidido a escrever uma nova história.

Então, quando levantei meu copo naquela noite, em meio a risadas e histórias, fiz um brinde a mim mesmo, ao meu crescimento, às cicatrizes que carrego com orgulho e às batalhas que ainda estão por vir. Um brinde à minha resistência, ao amor pela minha comunidade e ao futuro que estamos construindo juntos.

“Tim-tim!”, gritei, e o som dos copos se chocando era a celebração de uma nova vida. Uma vida que, apesar de tudo, tinha esperança e força. Eu sabia que ainda teríamos que enfrentar muitos desafios, mas agora eu tinha algo que nunca tive antes: a certeza de que não estava sozinho. E isso, para mim, era mais valioso do que qualquer ouro ou prata.

Gabriel:

“Hoje, aqui, levanto um brinde à nossa luta, ao nosso povo e ao futuro que estamos construindo. Que possamos sempre lembrar que somos mais do que as narrativas que tentam nos impor. Somos a resistência, a esperança, a força da periferia! Tim-tim!”

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