Você Não, Cê Não Passa Quando o Mar Vermelho Abrir

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Você Não, Cê Não Passa Quando o Mar Vermelho Abrir

O show havia sido um sucesso estrondoso, mas a alegria de Gabriel logo foi ofuscada por uma nova realidade que começava a se desenhar diante dele. Após a apresentação, ele se retirou para um canto, ainda absorvendo a euforia do momento, quando Ana Beatriz se aproximou com um sorriso que não parecia tão genuíno.

“Gabriel! Você arrasou! Estava incrível lá em cima!” Ela exclamou, seus olhos brilhando como se estivesse vendo uma estrela. Mas ele podia ver além do brilho; sabia que aquele entusiasmo tinha um preço.

“Valeu, Ana. Mas e você? O que tá fazendo aqui?” Gabriel respondeu, um pouco desconfiado. Ele a conhecia, sabia do passado dela e como ela costumava tratá-lo. Aquela popularidade toda estava fazendo com que ele se perguntasse se ela estava realmente ali por ele ou apenas pela fama que estava começando a conquistar.

Ana passou a mão pelo cabelo, olhando ao redor com uma expressão que misturava admiração e interesse. “Eu só queria aproveitar essa vibe, sabe? A galera tá falando muito de você, e pensei que poderia ser legal a gente se aproximar, agora que as coisas mudaram.”

“Procurando um ‘contato’ na cena, é?” Gabriel disse, sua voz cheia de ironia. O calor do momento esfriou, e a expressão dela mudou rapidamente. Ele podia ver que ela não estava disposta a encarar a verdade.

“Para com isso, Gabriel. Eu sempre reconheci seu talento. E, olha, eu sei que a vida na favela é dura. Eu só estou tentando...”

“Tentando o quê, Ana? Ser minha amiga? Agora que sou ‘famoso’?” Ele cortou, sua voz se elevando. “Cê não passa quando o mar vermelho abrir, tá ligado? Não é assim que as coisas funcionam.” A frustração tomou conta dele, e ele sentiu como se todas as mágoas do passado voltassem à tona.

“Pera, Gabriel! Eu não sou assim. Eu... Eu só queria estar ao seu lado.” A tentativa dela de se justificar soou vazia aos ouvidos dele.

“Então, por que não fez isso antes? Quando eu tava na merda e ninguém me dava atenção? Só vim a ser ‘interessante’ agora, né?” A mágoa cortava sua voz, e ele não conseguia mais disfarçar a decepção.

Ana hesitou, olhando para ele como se tentasse encontrar palavras que não existiam. “Eu... não pensei que você fosse assim. A fama pode ter subido à sua cabeça.” Ela deu um passo para trás, ofendida, mas ele não estava mais disposto a se importar.

“Fama? Que fama, Ana? Essa vida aqui é uma armadilha! É tudo fachada! E se você tá aqui só pelo que eu tô conquistando, pode ir embora.” Gabriel sentiu seu peito apertar. Ele não queria mais se envolver com pessoas que só se importavam com a imagem que ele projetava.

Ele se afastou dela, a cabeça cheia de pensamentos. Lembrou-se de todos os momentos difíceis, de como lutou para chegar ali. As vozes de sua infância ecoavam em sua mente, dizendo que ele não era bom o suficiente. E agora, mesmo com o reconhecimento, ainda sentia que muitos ao seu redor não passavam de aproveitadores.

Gabriel respirou fundo e se dirigiu para a saída, decidindo que não valia a pena perder tempo com relações superficiais. Ele queria estar cercado por quem realmente se importava com ele, e não apenas com a imagem que ele estava construindo. A vida na favela era dura demais para se deixar levar por ilusões.

Enquanto caminhava, viu outros meninos da favela, a mesma garotada com quem cresceu, e percebeu que sua verdadeira família sempre esteve ali, ao seu lado. Eles eram a razão pela qual ele continuava lutando, e não por pessoas que apareciam apenas quando a maré estava favorável.

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