Negro DRAMA

Lá Também Tem Uísque, Red Bull, Tênis Nike e Fuzil

Capítulo 82: Uísque, Red Bull, Tênis Nike e Fuzil

No auge da minha ascensão, a vida na favela estava em um constante contraste. Enquanto a fama me levava para festas em locais luxuosos, com uísque importado e Red Bull gelado nas mesas, a realidade do meu cotidiano ainda pulsava na quebrada. Longe dos holofotes, a vida seguia sua rotina cruel e intensa, com a presença constante de tênis Nike no pé e fuzis nas mãos.

Certa noite, fui convidado para uma festa de lançamento de uma nova marca de roupas urbanas, um evento recheado de gente influente e cheia de ostentação. A música estava alta, a energia vibrante, e a sensação de estar cercado por pessoas que viviam o mesmo sonho parecia perfeita. Enquanto dançava, observava os rostos sorridentes, as roupas caras e os copos cheios, mas uma parte de mim estava distante, lembrando da minha realidade.

Na quebrada, uísque e Red Bull não eram a norma. Eram raridades que poucos podiam se dar ao luxo de experimentar. Enquanto eu brindava com os novos amigos, não podia esquecer do cheiro de maconha que permeava os becos e das balas que assobiavam na calada da noite. Sabia que, enquanto eu me divertia, muitos dos meus amigos ainda enfrentavam as armadilhas da vida nas ruas.

Lá fora, na favela, a história era outra. O barulho dos fuzis ecoava entre os muros de concreto, e os jovens, com tênis Nike nos pés, não estavam apenas tentando se destacar, mas lutando para sobreviver em meio ao caos. Eu via isso refletido nos rostos de meninos e meninas que cresceram comigo, muitos deles já envolvidos em atividades que sabiam que não tinham volta.

A noite avançava, e enquanto eu brindava com aqueles que viam o mundo como um palco, não consegui evitar um sentimento de angústia. O contraste da minha nova vida era tão forte que me deixava tenso. "E se eu não conseguir voltar? E se eu esquecer quem sou?" Essas perguntas martelavam na minha cabeça.

Após a festa, enquanto caminhava para o carro, minha mente girava em torno do que eu realmente queria. “Cê disse que era bom, mas a vida na favela é bem mais real.” O glamour, a fama e o uísque não podiam apagar a dor que eu sabia que ainda existia nas vielas. Era a realidade de amigos que, em vez de tênis Nike, estavam calçando tênis furados, lutando contra a desigualdade que ainda os oprimia.

No fundo do meu coração, uma voz sussurrava que eu precisava fazer mais. Precisava usar minha nova plataforma para ajudar aqueles que ainda estavam presos na mesma situação que eu conhecia tão bem. Era fácil se perder na ostentação, mas o verdadeiro desafio estava em não esquecer de onde eu vinha.

No dia seguinte, me reuni com alguns amigos da favela para discutir como poderíamos reverter essa situação. “Não podemos ficar apenas na festa, precisamos construir algo que faça a diferença,” eu disse, com a paixão ardendo dentro de mim. A ideia era simples: criar um projeto que oferecesse alternativas para os jovens, mostrando que a música e o esporte poderiam ser caminhos para uma vida diferente, longe da violência e do crime.

Assim, entre um gole de Red Bull e a batida da música, o propósito começou a tomar forma. Não seria fácil, mas como eu sempre dizia, “se temer é milhar.” E nós não éramos conhecidos por nos deixar abater. Com a determinação de quem tinha superado obstáculos, eu e meus amigos começamos a arquitetar um plano. Uísque e festas poderiam ser divertidos, mas o verdadeiro tesouro estava em dar aos nossos irmãos e irmãs a oportunidade de sonhar e conquistar seus próprios espaços.

E assim, a história que começou na favela, entre fuzis e dificuldades, começava a mudar de rumo. É claro que a jornada ainda tinha muito a enfrentar, mas agora, eu estava disposto a ser um verdadeiro agente de transformação. Porque no final, o que importa não é o que temos nas mãos, mas o que fazemos com o que temos.

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