Se temer é milho

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Gabriel:

Se temer é milho, então a vida na favela é um roçado infestado de pragas. E, se tem uma coisa que aprendi, é que o medo pode te consumir. A gente vive com essa sensação constante, uma sombra que se arrasta por trás de cada esquina, esperando a oportunidade de nos pegar desprevenidos. Na favela, o medo é parte do cotidiano, e o que nos resta é decidir se vamos deixá-lo dominar a nossa vida ou se vamos, ao menos, tentar enfrentá-lo.

Acordei em um dia nublado, com o céu coberto de nuvens pesadas, como se o clima refletisse a tensão no ar. As vozes na rua pareciam mais baixas, as risadas eram rarefeitas, e o cheiro de fumaça da churrasqueira do Zé parecia mais intenso. A sensação de que algo estava prestes a acontecer era palpável. Era aquele tipo de dia que te deixava inquieto, em alerta.

“E aí, mano! Tá ligado que a situação tá tensa?” disse o Binho, enquanto eu passava pela esquina. Ele era o tipo de cara que sempre sabia das coisas. “Os caras tão se preparando pra algo grande. Se temer é milho, então a gente tá se transformando em centeio, e não dá pra deixar isso acontecer.” As palavras dele pesaram em meu peito.

A favela tinha seus próprios códigos, e todos nós sabíamos que, se não mantivéssemos os olhos abertos, poderíamos ser pegos de surpresa. Mas havia um preço a pagar por isso. O medo nos tornava prisioneiros, fazendo com que vivêssemos em um ciclo de desconfiança. Enquanto eu olhava em volta, vi o olhar apreensivo de alguns amigos. O clima era tenso, e a verdade é que cada um de nós estava lutando com seus próprios demônios.

A pressão aumentava a cada dia. A cada nova notícia de confronto, a sensação de insegurança só se intensificava. Naquele dia, a conversa entre os manos no boteco girava em torno de quem estava tramando e quem estava em perigo. “Os caras do lado de lá tão armados até os dentes. Se temer é milho, então a gente tá na panela quente, esperando a hora de cozinhar,” disse um deles, com um sorriso irônico que não escondia o medo que todos sentíamos.

Decidi que era hora de agir. Não dava pra ficar parado, esperando a tempestade passar. A favela estava em um ponto de ebulição, e eu sabia que se não fizéssemos algo, seríamos engolidos. “Se temer é milho, então precisamos fazer barulho, temos que mostrar que não estamos aqui pra ser picados como insetos.” Fui direto para a casa do meu mano Ricardo, um dos poucos que ainda acreditavam que a vida poderia ser diferente.

Ricardo estava lá, jogando conversa fora com alguns amigos, mas sua expressão mostrava que ele também sentia o peso do medo. “A gente não pode deixar que o medo nos controle,” eu disse, tomando um gole do suco que estava na mesa. “Precisamos nos unir, criar uma rede de proteção, porque se um cair, todos nós caímos.”

A conversa evoluiu rapidamente para planos e estratégias. Não éramos apenas um bando de caras comuns; éramos sobreviventes, e tínhamos que agir para proteger o que amávamos. O medo poderia nos paralisar, mas a coragem, mesmo que pequena, poderia nos dar uma chance. Enquanto discutíamos, percebi que havia um fogo queimando dentro de nós. O tipo de fogo que poderia ser o início de algo.

Era isso que a favela precisava: coragem. E se temer era como milho, então ser corajoso era como cultivar um campo fértil, onde a vida poderia florescer, apesar das pragas. A vida na favela era dura, mas a gente estava disposto a lutar por ela. “Se temer é milho, então vamos ser a colheita,” declarei, e a energia na sala começou a mudar.

Naquele momento, percebi que o medo não nos definiria. Nós éramos os criadores do nosso próprio destino, mesmo que a luta fosse difícil. Na favela, a realidade era crua, mas juntos, poderíamos enfrentar qualquer tempestade que viesse. E assim, naquela tarde nublada, decidimos que não seríamos só mais um grão de milho na lavoura; seríamos a resistência.

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