Sente o Drama - O preço, a Cobrança

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O silêncio da madrugada era quebrado apenas pelo som dos carros ao longe e o sussurro do vento que passava pelas janelas mal fechadas. Eu estava sentado no canto do quarto, com a cabeça encostada na parede fria, tentando entender tudo o que tinha acontecido até ali. A vida, do jeito que vinha acontecendo, era uma constante cobrança, um preço que a gente pagava a cada segundo, sem descanso. O drama parecia interminável, e a conta nunca parava de crescer.

Eu estava cansado. Não só fisicamente, mas no fundo da alma, onde o peso do mundo parecia repousar com força. Cada escolha, cada movimento, parecia cobrar um preço maior do que eu poderia pagar. E, de algum jeito, eu sempre acabava devendo mais. Mais do que eu tinha. Mais do que eu era.

A cobrança vinha de todos os lados. Na escola, no trabalho, na rua. Sempre havia alguém esperando mais de mim. Esperando que eu me ajustasse, que eu me encaixasse nas expectativas. Que eu brilhasse o suficiente pra ser notado, mas não tanto que incomodasse. Que eu falasse, mas não alto demais. Que eu existisse, mas não de forma inconveniente.

Davi estava certo ao dizer que nós éramos como estrelas distantes, mas o que ele não disse — o que talvez nem ele tivesse percebido ainda — era que, para sobreviver, a gente tinha que pagar o preço de ser invisível. Porque, no momento em que começávamos a brilhar de verdade, a cobrança vinha pesada. Ser visto tinha um custo, e esse custo, muitas vezes, era a nossa própria essência.

O dia anterior havia sido a prova disso. No meio da aula, durante um debate sobre meritocracia, eu finalmente explodi. Cansei de ouvir os mesmos discursos de sempre, as mesmas falácias que ignoravam completamente nossa realidade. Eu tentei falar, tentei mostrar que o mundo que eles viviam era diferente do nosso, que o esforço não era o mesmo pra quem vinha da quebrada, que o jogo era injusto desde o início.

Mas tudo que recebi de volta foi silêncio. Olhares vazios, julgadores. E, claro, o riso abafado de Ana Beatriz, que sempre achava que eu estava exagerando, que minha indignação era "drama".

Drama. Como se o que a gente vivia todos os dias fosse apenas uma encenação, como se nossas dores e lutas fossem fabricadas, irreais. Era fácil dizer isso de onde ela estava, do lado de quem não pagava o preço de existir como nós. De quem nunca tinha que lidar com a cobrança constante de ser negro, de ser pobre, de ser periférico. De quem nunca precisou carregar a marca invisível que nos seguia a cada esquina, em cada olhar desconfiado, em cada entrevista de emprego onde nossas chances já estavam comprometidas antes mesmo de abrirmos a boca.

Eu senti o drama. Senti o peso do olhar de reprovação do professor, que preferiu mudar de assunto a dar continuidade à discussão. Senti o desconforto dos meus colegas, que já não sabiam como reagir. Senti o isolamento, o silêncio que caiu sobre mim como uma sentença. Era o preço de falar, o preço de não ficar calado.

Naquele momento, percebi que a cobrança não vinha só de fora, mas de dentro também. Eu me cobrava por não ser forte o bastante, por não conseguir lidar com aquela situação de forma diferente. A pressão para ser impecável, para ser invulnerável, era esmagadora. Eu não podia errar, não podia mostrar fraqueza, porque, no fundo, o mundo não perdoava as nossas falhas. Não as nossas.

Davi apareceu na minha casa logo depois da aula, como se soubesse que eu precisava desabafar. Ele me ouviu, em silêncio, enquanto eu falava sobre o preço que tínhamos que pagar para existir, para sermos vistos e respeitados. Ele entendia. A cobrança era algo que ele também carregava, assim como eu.

"Gabriel, a real é que a gente tá sempre devendo," ele disse, com a voz grave e sincera. "Não importa o quanto a gente tente, sempre vão esperar mais da gente, sempre vão querer que a gente seja mais. E no fim, a gente paga com nossa sanidade, com nossa paz."

Eu sabia que ele tinha razão. Sabia que aquela cobrança era injusta, que o drama que a gente vivia não era só parte do nosso cotidiano, mas algo imposto, algo que nos colocava em uma posição de constante luta e desgaste. Não era um drama inventado, como eles queriam acreditar. Era a nossa realidade. O preço que pagávamos por sermos quem éramos.

E, mesmo assim, a pergunta que ecoava na minha mente era: até quando? Até quando eu conseguiria carregar esse fardo, pagar esse preço sem me perder no caminho? O preço de ser quem sou, de tentar brilhar num mundo que faz de tudo para apagar a nossa luz, parecia crescer a cada dia. A cobrança vinha de todos os lados, e a dívida, às vezes, parecia impagável.

Mas, de alguma forma, eu sabia que não podia parar. Porque se tem uma coisa que eu aprendi, é que, apesar do drama, apesar do preço, nós continuamos. Continuamos a brilhar, mesmo ofuscados, mesmo distantes. E isso, talvez, fosse o mais importante.

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