Entre as frases, fases e várias etapas

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Gabriel:

Entre as frases, fases e várias etapas da vida na favela, a realidade era dura e, muitas vezes, cruel. O discurso de superação soava bonito em reuniões e encontros, mas no fundo, a vida não era um mar de rosas. Era preciso encarar a verdade nua e crua: a favela é um lugar de luta constante, onde a esperança se mistura com a dor, e cada dia é um desafio que muitos não conseguem suportar.

Acordar cedo na favela é um rito de passagem. O sol já estava se levantando quando eu ouvi o barulho da minha mãe na cozinha, tentando preparar um café da manhã simples. O cheiro do pão amanhecendo e do café passado é reconfortante, mas logo é acompanhado pelo som dos carros passando, do funk ecoando pelas ruas, e da gritaria dos meninos jogando bola na calçada. Um dia normal, mas cheio de realidades diferentes.

Enquanto tomava café, vi um grupo de jovens passando pela janela. Eram caras conhecidas, mas com olhares vazios. Eles andavam de cabeça baixa, quase como se carregassem o peso do mundo nos ombros. Sabia que alguns estavam envolvidos com coisas erradas. As ofertas fáceis do tráfico e a promessa de dinheiro rápido eram tentadoras. Eu mesmo já tinha sido abordado antes. Mas cada vez que olhava para eles, sentia a angústia de que estavam se perdendo em algo do qual não conseguiriam escapar.

Naquela tarde, fui ao bar do Edson, um ponto de encontro conhecido na favela. As paredes eram grafitadas, a mesa de sinuca estava cheia, e as conversas ecoavam. Mas o que mais me chamava a atenção era a tensão no ar. Edson sempre teve uma visão de união, mas a verdade era que os ânimos estavam acirrados. As gangues estavam se dividindo, e os conflitos entre elas eram cada vez mais frequentes.

“Mano, o que tá acontecendo?” perguntei ao Edson, tentando entender o clima.

“Rapaz, a gente tá tentando fazer uma paz aqui, mas sempre aparece alguém pra bagunçar. Tem gente querendo vender droga no nosso território, e não tá fácil não. Ninguém quer briga, mas a situação tá tensa,” ele respondeu, olhando ao redor.

Aquelas palavras pesaram no meu coração. A favela, que tantas vezes tentei ver como um lugar de luta e resistência, era também um espaço de sobrevivência, onde as pessoas muitas vezes eram forçadas a escolher entre o certo e o errado. E mesmo aqueles que queriam paz não tinham controle sobre o que acontecia.

Naquela noite, ouvi os tiros. Não era a primeira vez e certamente não seria a última. O som dos disparos era como uma canção de ninar cruel, uma lembrança constante de que a vida ali estava à mercê de forças que muitos de nós não entendíamos. Olhei para a minha mãe, que estava assistindo à TV, tentando ignorar a realidade. “Vai ficar tudo bem, filho”, ela disse, mas eu sabia que nem sempre era assim.

Olhando pela janela, vi as luzes da viatura se acendendo. Os gritos de dor e desespero ecoaram pela noite. E eu, ali parado, me perguntei: quem realmente tinha lado a lado?

A verdade é que a vida na favela não era feita de superação constante. Era uma montanha-russa de emoções, cheia de altos e baixos. O orgulho e a esperança eram seguidos pela frustração e pela tristeza. Os irmãos que cresciam ao meu lado eram perdidos em seus próprios conflitos, e eu sabia que a cada dia havia menos certeza sobre o que poderia acontecer.

Olhando para o céu, percebi que a única constante era a luta. Não éramos todos guerreiros, mas éramos sobreviventes. E essa era a realidade que tínhamos que enfrentar todos os dias. Não era sobre frases de efeito ou discursos de superação; era sobre a vida em sua forma mais crua, em sua essência mais real.

E no meio de tudo isso, o que eu realmente desejava era uma chance para todos nós, uma oportunidade de mudar não apenas nossas vidas, mas também o futuro de nossa comunidade. Mas, enquanto as balas cruzavam o ar, a luta se tornava mais difícil a cada dia. E a verdade era que, muitas vezes, não havia respostas fáceis, e muito menos um caminho claro à frente.

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