E de onde vêm os diamantes? Da lama

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Capítulo: E de onde vêm os diamantes? Da lama

A cidade era uma selva de pedra, e eu era apenas mais um leão perdido nas vielas escuras. O sol batia quente em São Paulo, mas a sombra que pairava sobre mim era mais pesada que qualquer sol. Minha mãe, uma mulher guerreira, não estava mais aqui para me guiar. Tinha partido cedo demais, deixando um buraco que eu nunca conseguiria preencher. Lembro dela com a voz firme, sempre me dizendo para me manter longe das armadilhas desse lugar. Mas como eu faria isso sem ela?

Os meninos da quebrada não entendem. Para eles, a vida é uma luta constante. Quando a gente é pequeno, não percebe o que se esconde nas esquinas. Mas quando cresci, vi a verdade. No asfalto, a realidade é dura, e o sorriso que tentamos manter é só um disfarce. Enquanto alguns sonham com o dia em que vão sair do gueto, eu aprendi que a única saída era viver ali e lutar.

Certa vez, um mano me disse: “Se você não pode sair, faça a sua própria história aqui.” Aquela frase grudou em mim. Eu queria ser mais que um número na estatística de um cara que não conseguiu escapar. Mas o que isso significa, na real? Ver os moleques do meu lado indo pra escola, voltando com a cabeça baixa, era de doer. Eu não tinha tido essa sorte.

Ouvia a gritaria do funk que ecoava nas ruas. A batida era pesada, e as letras falavam da vida que conhecíamos. E mesmo assim, a ideia de ter algo melhor me parecia um sonho distante. As festas eram o único lugar onde a gente se sentia vivo, onde a música cobria os problemas. O baile era nosso refúgio, mas eu sabia que não ia resolver nada. Era um ciclo. A dança era uma fuga temporária, mas no final da noite, a realidade voltava com tudo.

Eu queria gritar, mas a voz se perdia entre os corpos que se moviam ao som do tambor. "Cadê a solução, mano?" eu pensava. E a resposta era sempre a mesma: “Ninguém se importa.” Na quebrada, éramos invisíveis. Os gringos que vinham com suas câmeras só queriam a foto da pobreza, mas não viam a alma da nossa luta. E o que isso gerava? Diamantes da lama, como diziam, mas não era bem assim.

Por mais que eu tentasse, não conseguia desviar do caminho. O crime começou a se insinuar na minha vida, como um amigo que não te larga. Quando a fome bate, você faz o que for preciso para sobreviver. O primeiro trago de um baseado, o primeiro olhar no corre da esquina. Eu não era um traficante, mas me envolvi. Era o jeito mais rápido de arrumar dinheiro. Aquele dinheiro que não vinha fácil, que parecia um prêmio em um jogo que só tinha trapaça.

Os caras que estavam no corre mais pesado olhavam pra mim com desdém. “Esse aí não é de verdade”, diziam. “Ele ainda tem um pouco de inocência.” Mas a inocência se foi assim que vi um mano levar um tiro na porta de casa. A vida não perdoa. E eu sabia que a próxima vez poderia ser eu. A gente ri e canta, mas no fundo a tristeza pesa como um tijolo no peito.

E foi nesse mundo que conheci Ana Beatriz. A mina que fazia questão de se mostrar sempre melhor que todo mundo. Ela olhava pra mim como se eu fosse um projeto. No início, eu achava que ela queria ser minha amiga, mas logo vi que tinha outros interesses. Os garotos brancos, os da escola, estavam sempre em cima dela, e a partir do momento que meu nome começou a circular, ela se aproximou.

Era uma ironia, um jeito de ver como as coisas mudam. Ela nunca havia me olhado com bons olhos, mas agora, quando eu era conhecido, as coisas eram diferentes. As palavras dela eram doces, mas havia um veneno escondido. “Gabriel, você vai longe, eu sempre soube disso”, ela dizia. Mas, lá no fundo, eu sabia que ela só queria ser vista como parte do que eu estava construindo.

Então, como um leão cercado, eu jogava meu jogo. Mas Ana não era só uma farsa. Ela também tinha suas dores. E mesmo assim, ao me ver subir, sua essência ficou cada vez mais clara. As pessoas que antes me ignoravam começaram a se lembrar de mim. O que me deixava confuso era o que fazer com essas novas relações. Eu queria estar no topo, mas ao mesmo tempo, eu não queria esquecer de onde vim.

A verdade é que a fama trouxe uma luz que eu não estava preparado para lidar. O uísque na mão, o tênis de marca, as festas eram agora parte do meu dia a dia. Mas, ao mesmo tempo, me deixava sozinho. Eu queria levar os manos comigo, mas a cada conquista, percebia que a maioria se afastava. Para muitos, eu era só um sonho que tinha se tornado realidade, mas não para mim. Eu ainda era o moleque da quebrada.

E quando eu olhava no espelho, não via um artista ou um famoso. Via um menino que lutou e ainda luta. Minha mãe não estava mais aqui, mas eu sentia que ela olhava por mim de onde estivesse. O caminho era complicado, e não havia como voltar atrás. Eu sabia que tinha que fazer minha própria história, mesmo que isso significasse sujar as mãos.

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