Mas não pode arrancar de dentro dele a favela

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Gabriel:

Era uma manhã comum na favela, mas o ar estava carregado de tensão. A rotina, que antes parecia familiar e quase confortável, agora parecia tensa e instável. As vozes de crianças brincando ao longe eram interrompidas por gritos e discussões que ecoavam entre os becos apertados. Algo estava mudando, e a comunidade, que sempre se uniu em tempos difíceis, agora estava à beira de um conflito.

A notícia que circulava entre os moradores era preocupante: um novo grupo criminoso estava tentando tomar conta do nosso território. Eles se apresentavam como “os novos donos da favela”, e isso gerou um clima de medo e desconfiança. Eu sabia que as pessoas estavam cansadas de conflitos, mas o receio de perder o controle da nossa casa era palpável.

Naquela manhã, fui ao bar da esquina, onde me encontrei com alguns amigos. Enquanto conversávamos sobre a possibilidade de um confronto, o clima estava pesado. “Gabriel, não podemos deixar que esses caras cheguem aqui e coloquem medo em nós. A favela é nossa, e nós sabemos como nos proteger!”, disse Tiago, um amigo de infância. Suas palavras carregavam a bravura de quem cresceu enfrentando desafios, mas também refletiam a pressão de quem não quer ver a luta desmoronar.

A comunidade estava dividida. Alguns acreditavam que o melhor era fazer um acordo, enquanto outros estavam dispostos a lutar pela nossa liberdade, mesmo que isso significasse abrir um novo ciclo de violência. O que mais me preocupava era que a favela sempre foi um espaço de resistência, de cultura e de vida, mas a realidade da guerra pelo território poderia destruir tudo isso.

Enquanto discutíamos, vi a Letícia entrar no bar, com uma expressão séria no rosto. “Acabei de falar com algumas pessoas do nosso grupo”, ela disse, puxando uma cadeira. “Temos que nos reunir urgentemente. Eles estão tentando criar um pânico, e se não agirmos rápido, isso vai se transformar em uma guerra de verdade.”

Fizemos um sinal para que ela falasse mais. “Esses caras não vão parar até que consigam nos controlar. E, se deixarmos, eles vão arrancar a favela de dentro de nós. A cultura, a nossa história, tudo isso será esquecido se não nos unirmos para defendê-la.”

Concordei. A favela sempre foi um espaço de identidade e pertencimento, onde aprendemos a lutar e a sobreviver. Mas agora, parecia que essa identidade estava ameaçada. O dilema estava claro: lutar ou negociar? Cada um de nós tinha suas próprias experiências, e a linha entre a sobrevivência e a luta pela liberdade estava cada vez mais tênue.

Naquele dia, a reunião foi intensa. Moradores se reuniram na quadra, e o clima de urgência era palpável. “Não podemos deixar que esses novos donos da favela nos tirem o que construímos”, disse um velho conhecido, o Seu Nestor, que sempre foi um pilar de sabedoria em nossa comunidade. “A favela é nossa! Temos que proteger nossa cultura, nossa identidade.”

As vozes se uniam em um coro de resistência, mas, no fundo, o medo ainda pairava no ar. Havia discussões acaloradas sobre a melhor estratégia a seguir. Alguns queriam chamar a polícia, mas outros argumentavam que isso só traria mais problemas. “A polícia não vai nos ajudar! Eles nunca nos ajudaram antes!”, alguém gritou, e a sala se encheu de murmúrios de concordância.

Nesse meio tempo, recebi um telefonema. Era de um antigo amigo, o Rodrigo, que havia se mudado para um bairro mais tranquilo. Ele estava preocupado com a situação e queria saber como as coisas estavam. Falei sobre o que estava acontecendo, e a preocupação na voz dele era evidente. “Gabriel, você sabe que não podemos permitir que isso aconteça. A favela é mais do que apenas um lugar; é quem somos. Não podemos deixar que eles arranquem isso de nós.”

Seu apoio me deu força, e percebi que essa luta não era apenas sobre território; era sobre identidade. Era sobre o que a favela representa para cada um de nós. Cada história, cada vivência, cada conquista era um tijolo na construção de uma comunidade que resistia ao tempo e às adversidades.

A reunião terminou sem uma decisão clara, mas a determinação estava presente em cada olhar. Sabíamos que a luta não seria fácil, mas também estávamos cientes de que a união poderia nos dar força. Precisávamos nos preparar, armar-nos com coragem e encontrar uma maneira de mostrar que não seríamos facilmente vencidos.

Nos dias seguintes, a atmosfera na favela era elétrica. As conversas se tornaram mais intensas, e o medo deu lugar à determinação. Sabíamos que a batalha pela nossa identidade havia começado, e não permitiríamos que ninguém arrancasse de dentro de nós a favela que sempre foi nosso lar.

A resistência era mais do que uma questão de território; era uma luta pela alma da comunidade. E, à medida que o conflito se aproximava, senti que cada um de nós se tornava uma peça essencial nesse quebra-cabeça de resistência. A favela era nossa, e nós a defenderíamos até o fim.

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