Era sempre a mesma sensação. De estar ali, presente, mas ao mesmo tempo distante. Como uma estrela no céu que brilha com força, mas está longe demais para ser realmente vista, compreendida. Eu me sentia assim, muitas vezes: ofuscado, não pelo brilho, mas pela distância que parecia nos separar de tudo o que a gente queria alcançar. O que eu queria alcançar.
A luta por reconhecimento, por um lugar ao sol, parecia se arrastar como uma corrida sem fim. Estávamos sempre perto o suficiente para ver o que almejávamos, mas distantes demais para tocar. E nesse abismo entre o querer e o ter, a nossa luz parecia enfraquecer, meio ofuscada pelas circunstâncias, pela nossa realidade, pelo peso da história que carregávamos nas costas.
Eu lembro da primeira vez que senti isso. Era pequeno, talvez uns sete ou oito anos, quando minha mãe me levou para ver uma apresentação de um grupo de teatro na praça central. Eles encenavam uma peça sobre um herói brasileiro — um herói que, naquela época, eu não sabia, mas era branco, rico e imortalizado nas páginas dos livros. Eu fiquei fascinado com a atuação, os gestos, o brilho das luzes que iluminavam o palco. Queria estar ali, queria fazer parte daquilo.
Mas minha mãe me puxou de volta à realidade. "Esse mundo não é pra gente, Gabriel," ela disse, a voz rouca de cansaço, de quem já viu o bastante para saber. "Nós somos como estrelas. Eles veem a gente brilhar, mas nunca de perto. Não deixam."
Naquele momento, eu não entendi. Para mim, ser uma estrela era algo glorioso, algo que todos deviam querer ser. Mas com o tempo, eu comecei a perceber que não era bem assim. O brilho de uma estrela, visto à distância, não significava que ela fosse verdadeiramente apreciada, ou que alguém pudesse realmente alcançar sua luz. Era só uma ilusão, algo que ofuscava os olhos, mas que, ao mesmo tempo, mantinha a gente isolado, sempre à margem.
Agora, sentado na varanda de casa, olhando o céu escuro pontilhado de estrelas, a metáfora fazia sentido. Eu me sentia assim: perdido entre milhões de outros, tentando brilhar, tentando ser visto, mas sempre longe, sempre meio ofuscado pela realidade em que vivia.
Davi se juntou a mim pouco depois, trazendo duas garrafas de refrigerante que comprou no bar da esquina. Ele se sentou ao meu lado, sem dizer nada por um tempo. Ficamos ali, olhando para o céu, mergulhados em nossos próprios pensamentos.
"Você já pensou," ele começou, com a voz baixa, "como a gente pode ser tão visível, e ao mesmo tempo, tão invisível?"
Eu sorri, reconhecendo o pensamento que me assombrava há dias. "O tempo todo."
Ele respirou fundo. "É como se a gente fosse... sei lá, uma estrela, sabe? Tá lá, todo mundo vê, mas ninguém chega perto. Não é real pra eles. A gente brilha, mas eles fingem que não."
Eu assenti. "Exatamente. E o pior é que, quando a gente tenta brilhar mais, eles nos apagam ainda mais rápido."
Davi balançou a cabeça, concordando. "A não ser que a gente vire um cometa ou algo assim, né? Algo que eles não conseguem ignorar."
A ideia me fez rir, mas a verdade por trás dela era amarga. A sociedade não nos queria como estrelas constantes, nos mantinham ofuscados, distantes. Mas quando fazíamos barulho, quando explodíamos como cometas em plena ascensão, só então éramos notados. Só que, nesse momento, o reconhecimento vinha sempre com uma punição.
"Às vezes, eu penso se tudo isso vale a pena," continuei, deixando o peso dos pensamentos saírem. "Se essa busca pra ser visto, pra ser ouvido, não nos destrói mais do que ajuda."
Davi olhou para mim com seriedade. "Vale, sim. Mesmo que a gente seja uma estrela longe, mesmo que a nossa luz seja ofuscada, ainda estamos aqui. E o fato de estarmos brilhando, mesmo na distância, significa que ainda não desistimos. E isso é o mais importante."
Eu queria acreditar nisso. Queria acreditar que, mesmo sendo uma estrela distante, ofuscada, nossa luz ainda importava. Mas a verdade é que, no fundo, o desejo de ser notado, de ser visto pelo que realmente éramos, era cada vez mais forte. Eu não queria ser só uma imagem distante, uma sombra em meio ao brilho dos outros.
No fundo, eu queria ser uma estrela que eles não pudessem ignorar. Uma estrela que, mesmo longe, fosse capaz de iluminar tudo à sua volta, de rasgar a escuridão e deixar um rastro de luz onde antes só havia trevas. Eu queria ser muito mais do que o que eles nos permitiam ser.
Mas, enquanto isso, eu continuava ali. Distante, ofuscado. Brilhando, mas sem ser alcançado.
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Negro DRAMA
Historical Fiction"O Peso do Silêncio" é um romance visceral que mergulha nas profundezas da vida na periferia, inspirado no icônico "Negro Drama" dos Racionais MC's. A história acompanha Gabriel, um jovem negro que luta contra o sistema opressor que já o condenou de...