Hum, Nego Drama de Estilo

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Gabriel:

A favela sempre foi um palco, e nós, os atores dessa peça triste. Nego drama, esse era o nosso dia a dia. Não importava a intenção, as ambições ou os sonhos; a vida aqui sempre tinha um script já escrito. Tinha dias em que a gente ri, mas na maioria das vezes, o riso morre na garganta, sufocado pela realidade dura que enfrentamos.

Naquela manhã, o clima estava pesado. O calor escaldante era um convite ao cansaço, e a poeira levantada pelo movimento dos carros e pelas motos deixava o ar ainda mais sufocante. Eu estava na esquina da minha casa, assistindo o movimento das pessoas. O velho José, um conhecido da comunidade, passava arrastando os pés, como se carregasse o peso do mundo nas costas. Sabia que ele havia perdido o filho nas mãos do tráfico. A dor dele era visível, e, mesmo assim, a vida seguia em frente, ignorando sua tragédia.

Do outro lado da rua, uma roda de moleques jogava bola, mas não era só diversão; era uma tentativa de escapar da realidade. Eles sonhavam com um futuro onde a bola os levaria a um lugar melhor, mas o que a vida reservava era bem diferente. Os que conseguiam escapar da favela eram poucos, e a maioria acabava se perdendo no caminho.

Foi quando ouvi os gritos. “Olha lá, a treta tá feia!” Um grupo de manos se aglomerou, e, de repente, a tensão no ar aumentou. Sabia que, assim como sempre, o problema era uma disputa de território. “Vai dar merda,” eu pensei, olhando para o Tiago e a Dani, que já estavam com a expressão preocupada. A cena se desenrolava como um filme que a gente já conhecia de cor.

Os tiros ecoaram como a trilha sonora daquela vida. E, como sempre, o desespero tomou conta. Cada um se dispersou, mas eu não consegui me mover. Queria entender o que estava acontecendo. O drama se desenrolava diante dos meus olhos. A tensão entre as facções era palpável, e, enquanto muitos corriam, alguns poucos pararam para assistir, como se aquilo fosse parte da rotina.

Virei a esquina e vi a cena: um dos manos, o “Boca”, estava caído no chão, ensanguentado. Ele era conhecido na área, mas também era temido. “É o que dá ser ousado demais,” murmurei para mim mesmo. Ele tinha a fama de quem não respeitava ninguém e agora pagava o preço por isso. O cheiro de pólvora se misturava com o ar quente, e eu podia sentir o medo se espalhando entre os que estavam ali.

O que era um dia normal virou um pesadelo. Os gritos da mulher dele, a dor nos olhos dos que assistiam e a certeza de que tudo isso se repetiria. “Não é só um tiro, é a vida de alguém,” eu pensei, enquanto a cena se tornava cada vez mais caótica. Um drama que se arrastava, como se o roteiro nunca mudasse.

E o pior era ver a indiferença que acompanhava tudo isso. O povo estava tão acostumado com a violência que se tornara parte da rotina. Era triste perceber que, mesmo diante da tragédia, a vida continuava. Os vizinhos se aglomeravam, mas era apenas para ver o que acontecia, não para ajudar. Um tipo de apatia que se tornou normal. “Só mais um, só mais um,” eu escutava alguém murmurar. E era isso que a favela ensinava: a vida de um era a tragédia do outro, e ninguém estava realmente seguro.

Depois de algum tempo, a polícia apareceu, mas era só para fazer uma cena. Não estavam ali para ajudar; estavam ali para manter a aparência, como se o problema pudesse ser resolvido com alguns tiros para o alto e algumas palavras vazias. A verdade era que, no fundo, todos sabíamos que a violência era um ciclo sem fim, uma roda que girava cada vez mais rápido, levando tudo e todos no caminho.

“Olha só, a vida é assim. Se você não se adapta, você sai fora. E quem não aprende a lidar com isso, acaba na história dos que já foram,” disse Tiago, enquanto observava a cena. Ele estava certo, mas o que custava a todos nós? O que era essa vida senão um teatro onde a dor era o único personagem constante?

Eu sabia que não adiantava ter esperanças de mudança. A favela era assim. O drama era nosso cotidiano, e o que nos restava era seguir em frente, carregando nossas feridas e nossas verdades, sem esquecer que, ao nosso redor, a vida seguia seu curso, mesmo que o preço fosse alto demais.

A pergunta que eu não parava de me fazer era: até quando isso ia continuar? Até quando nós, que sobrevivemos, teríamos que lidar com esse nego drama? A vida na favela não era só uma luta; era um pesadelo repetido que não sabia como acabar. E isso era o que doía mais.

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