Entre o gatilho e a tempestade

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Gabriel:

Estava entre o gatilho e a tempestade. O ar estava carregado de tensão, como se a favela estivesse retendo a respiração, esperando o próximo movimento. Eu podia sentir o peso das decisões penduradas sobre nós, como um fio prestes a romper. A rotina na quebrada havia se transformado em um campo de batalha psicológico, onde cada escolha poderia levar à liberdade ou ao abismo.

Naquele dia, as ruas estavam silenciosas, quase assombradas por uma calma pré-tempestade. Eu e alguns manos estávamos na esquina, observando o movimento. As faces que costumavam estar alegres estavam agora marcadas pela preocupação, e as vozes que ecoavam pelos becos eram apenas sussurros. O clima estava denso, como uma nuvem negra se formando no horizonte, e eu sabia que a tempestade não estava longe.

“E aí, mano, você tá preparado?” perguntou o Rato, um amigo que sempre estava por dentro das paradas. Ele tinha um jeito sério de olhar para as coisas, como se soubesse que a vida poderia mudar em um instante. “O papo tá quente, e o clima não tá pra brincadeira.”

“Preparado pra quê?” retruquei, sabendo que ele se referia à tensão crescente entre os lados da quebrada. O tráfico não perdoava, e a briga entre as facções era só uma questão de tempo.

“Pra qualquer coisa, mano. Entre o gatilho e a tempestade, a gente pode se perder ou se encontrar,” ele disse, e suas palavras pairaram no ar, como uma profecia sombria.

O sol começou a se pôr, tingindo o céu de vermelho, como se estivesse sangrando. As sombras se alongavam e a favela se tornava um labirinto de incertezas. O medo era palpável. A ideia de que uma bala perdida poderia mudar tudo me deixou inquieto. Eu via os meninos jogando bola na esquina, sem saber que aquele poderia ser o último momento de inocência deles. “Entre o gatilho e a tempestade,” pensei, “não existe espaço para hesitar.”

Decidi que precisava fazer algo. Não podíamos ficar à mercê do que a vida nos impunha. Reuni os manos e, em meio ao clima tenso, falei: “A gente precisa agir. Se vamos ser atingidos, que seja lutando. Não podemos esperar que a tempestade chegue e leve tudo.”

A discussão tomou conta da roda, e cada um tinha uma ideia, um plano. Havia um fogo queimando dentro de nós, um desejo de mudar a narrativa que nos foi imposta. “Se tem que ser guerra, que seja. Mas precisamos ter uma estratégia, uma maneira de nos proteger,” disse o Ricardo, sempre pragmático.

Era uma conversa cheia de promessas e determinação, mas a realidade externa continuava pressionando. O barulho das motos e das conversas distante parecia aumentar, e eu sabia que não podíamos nos dar ao luxo de nos distrair. O relógio estava contando, e a tempestade poderia chegar a qualquer momento.

As horas passaram, e o céu escureceu de vez. A tensão estava nas veias da quebrada. As ruas se tornaram um campo minado de olhares desconfiados e corações acelerados. A cada movimento, o medo se tornava mais real, e a sensação de que algo iria acontecer era inegável. Entre o gatilho e a tempestade, tudo poderia mudar em um segundo.

Naquele momento, eu percebi que cada escolha tinha um peso. O gatilho poderia ser puxado a qualquer instante, e, se não estivéssemos prontos, tudo o que amávamos poderia se desfazer em fumaça. A favela era nosso lar, mas também nosso campo de batalha. E enquanto a tempestade se aproximava, a única certeza que eu tinha era que a luta pela sobrevivência exigiria tudo de nós.

Fiquei parado, olhando para o céu, que agora estava coberto de nuvens escuras. O trovão rugiu à distância, e eu sabia que a tempestade estava a caminho. E nós, entre o gatilho e a tempestade, precisávamos decidir como enfrentar o que estava por vir.

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