Gabriel levantou a cabeça, respirou fundo e olhou para o horizonte. As luzes da cidade cintilavam à distância como estrelas numa galáxia distante. Ele estava no topo de uma laje, com a vista que lhe era mais familiar: a vastidão das favelas se estendendo abaixo dele, com seus becos estreitos e casas empilhadas umas sobre as outras. Mas, além da linha cinza e concreta da periferia, erguiam-se as imponentes torres do centro da cidade. Os arranha-céus que pareciam castelos intocáveis, cercados por muros invisíveis, pertencentes a uma realidade que parecia inalcançável para quem crescia ali.Ele lembrou-se da frase que alguém dissera uma vez, com desdém: "Você vai morrer sem nunca nem pisar lá." Aquelas torres representavam tudo que lhe fora negado: oportunidades, riqueza, respeito. E ele sabia que, para muitos, o destino era aceitar essa divisão, viver à margem, observando à distância enquanto outros desfrutavam dos privilégios de uma vida que ele nunca conheceria.
Mas algo dentro de Gabriel queimava com uma força nova. As palavras que compartilhara na reunião com Maria ainda ecoavam em sua mente. As histórias de resistência e sobrevivência que ouvira dos outros jovens também estavam gravadas em sua alma. Ele não seria apenas um espectador, não mais. “Então olha o castelo”, pensou consigo mesmo, “mas saiba que a luta não vai parar aqui.”
Para muitos na favela, os castelos da cidade representavam sonhos inalcançáveis, mas para Gabriel, eles se tornaram um símbolo de resistência. A visão daquelas torres brilhantes não o fazia sentir-se pequeno ou derrotado. Pelo contrário, cada vez que as via, sentia uma faísca de rebeldia, de desafio. Se diziam que aquele mundo não era para ele, ele faria o impossível para provar o contrário.
Ao descer da laje, ele sentiu o vento frio bater em seu rosto, misturado com o cheiro das ruas, dos becos, do asfalto quebrado. Ele sabia que a vida não seria fácil, que os castelos distantes eram protegidos por mais do que distância física – eram protegidos pelo racismo, pela desigualdade e pela falta de oportunidades. Mas, naquele momento, Gabriel estava mais determinado do que nunca. Ele não deixaria que o sistema o engolisse. Não aceitaria ser mais um jovem negro sem voz, sem chance, sem destino.
"Eu vou chegar lá", ele murmurou para si mesmo enquanto caminhava pelas ruas de sua comunidade. E o que era mais importante: ele sabia que não iria sozinho. As vozes que ele encontrara junto com Maria e os outros jovens estavam se unindo, se fortalecendo. Era uma rede invisível, mas poderosa, que crescia a cada dia. E eles estavam prontos para lutar juntos, para desafiar a ideia de que o castelo estava fora de alcance.
Porque o castelo não era o destino final. O que importava era a jornada, a luta para mudar a narrativa. E Gabriel estava apenas começando. Ao olhar para aquelas torres brilhantes, ele não via mais um símbolo de separação, mas um alvo. Ele e seus amigos estavam determinados a desafiar os muros invisíveis, a quebrar as barreiras que haviam sido erguidas para mantê-los longe.
A cidade ainda pulsava com a dualidade que sempre estivera lá: os extremos da riqueza e da pobreza, o brilho da cidade alta e a escuridão das vielas. Mas Gabriel sabia que a luta não era apenas sobre chegar até lá. Era sobre construir algo que pertencesse a eles. Era sobre erguer seus próprios castelos, onde sua voz e a de sua comunidade seriam finalmente ouvidas.
E assim, enquanto o sol nascia lentamente no horizonte, Gabriel olhou mais uma vez para os arranha-céus da cidade. "Olha o castelo", pensou, "e se prepare, porque nós estamos chegando."
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Negro DRAMA
Ficción histórica"O Peso do Silêncio" é um romance visceral que mergulha nas profundezas da vida na periferia, inspirado no icônico "Negro Drama" dos Racionais MC's. A história acompanha Gabriel, um jovem negro que luta contra o sistema opressor que já o condenou de...