Pra Não Ser Mais Um Preto Fodido

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Acordar todo dia com um propósito, uma luta constante contra as estatísticas, contra os olhares que já me condenam antes mesmo de eu abrir a boca. É uma batalha interna e externa, uma guerra que eu enfrento desde que me entendo por gente. Ser preto, pobre e favelado é nascer com o peso do mundo nas costas, e para muitos, esse peso se torna insuportável.

Eu não queria ser mais um.

Não queria ser mais um número nas planilhas do sistema que sempre fez questão de me excluir. Não queria ser mais um preto que a sociedade chamaria de "coitado", mais uma história triste para encher manchetes e confirmar o que todos já esperavam. Desde cedo, eu sabia que a linha que separava o sucesso do fracasso era fina demais para errar, e que para mim, errar significava cair, e cair significava ser esquecido.

A rua ensinou rápido que o mundo não oferece segundas chances para quem vem de onde eu vim. Mas não foi a rua que me fez, foi o sangue dos meus ancestrais, a resiliência dos meus que vieram antes de mim, que plantaram sementes nas pedras para que eu pudesse florescer. Eu olho para trás e vejo que sobreviver já é uma vitória, mas sobreviver não é suficiente. Eu não quero apenas sobreviver. Quero vencer.

"Preto fodido." Era o que eu ouvia nas esquinas, nos corredores da escola, até mesmo nas entrelinhas das conversas com os poucos que se diziam "amigos". As palavras eram ditas como uma sentença, como se a cor da minha pele me condenasse a uma vida de derrotas, como se meu destino estivesse selado antes mesmo de eu ter a chance de lutar.

Mas eu não aceitei essa sentença. Nunca aceitei.

A cada olhar de desprezo, a cada porta que se fechava na minha cara, eu sentia a raiva crescendo. Não a raiva destrutiva que te consome e te arrasta para o buraco, mas a raiva que te move, que te faz querer mais. Era essa chama que me manteve de pé quando o mundo inteiro tentava me empurrar para baixo. Eu sabia que, para não ser mais um preto fodido, eu teria que ser mais forte, mais inteligente, mais rápido. Eu teria que jogar um jogo que nunca foi feito para mim, mas que eu estava determinado a vencer.

A escola era uma batalha diária. Não por causa das provas ou dos trabalhos, mas pela constante sensação de que eu não pertencia. Os professores nunca olhavam para mim do mesmo jeito que olhavam para os outros. Os alunos, muitos deles brancos e privilegiados, me viam como uma exceção, como alguém que não deveria estar ali. E essa exclusão, essa sensação de ser sempre o outro, me marcava profundamente.

Mas eu decidi que não seria o que eles esperavam. Não seria o preto que desiste, que larga os estudos, que vira estatística. Eu queria mais. Queria provar para eles, mas principalmente para mim mesmo, que eu era capaz de mudar minha história, de criar um futuro diferente do que me foi imposto.

Foi aí que comecei a estudar com mais afinco. Não por obrigação, mas por sobrevivência. Cada página que eu virava, cada conceito que eu dominava, era como um golpe contra o sistema que me queria ignorante, submisso. Eu sabia que o conhecimento era a única arma que eu tinha contra a opressão que me cercava. E eu a usei com tudo o que tinha.

Davi sempre me dizia que eu era maluco, que eu estava me matando de estudar para um sistema que não me queria lá. Mas eu via diferente. Não era para o sistema, era para mim. Eu precisava provar que não seria mais um. Precisava provar que, mesmo com todas as desvantagens, eu poderia vencer.

E foi assim que eu comecei a traçar meu caminho, passo a passo, com os pés no chão e os olhos no futuro. Não podia me dar ao luxo de errar. Cada decisão era pensada com cuidado, cada movimento feito com estratégia. Eu não podia contar com a sorte. Tinha que contar apenas comigo.

Mas a luta ainda não acabou. Sei que o caminho é longo e cheio de armadilhas, mas enquanto eu tiver força para resistir, vou continuar. Porque eu sei o que está em jogo. Sei que, para muitos, minha vida não vale nada, mas para mim, ela vale tudo.

E eu vou fazer valer.

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