Capítulo 65: Eu Sou Mais Um
Eu sou mais um. Mais um cara da quebrada que sonhou, mas acabou se perdendo pelo caminho. Sou só mais um rosto na multidão, mais um corpo na fila do sofrimento, mais um nome que se perde na estatística da violência e da desigualdade. Quando olho para os meus irmãos, vejo que a nossa luta é coletiva, mas a dor é individual. Cada um de nós carrega sua própria história, sua própria cruz.
Fui mais um que cresceu ouvindo as promessas de que a vida poderia ser diferente. A cada esquina, os velhos contavam sobre a resistência, sobre a força da comunidade, mas na prática, a realidade sempre foi outra. É difícil sonhar quando a vida te ensina desde cedo a se conformar com o que você tem, ou melhor, com o que não tem. Olhar para os outros e ver o que eles conquistaram só reforça a dor da minha própria falta.
Desde pequeno, eu queria ser diferente. Lembro de mim no parquinho, chutando a bola com os amigos, sonhando em ser o craque que ia brilhar no campo. O campo da vida, o campo da fama, o campo da música. Queria ser o próximo grande artista, alguém que pudesse mudar a narrativa da favela. Mas a realidade não perdoa, e o sonho, ah, o sonho se torna cada vez mais distante.
O dia a dia é uma batalha. Levanto cedo, faço o que posso para sobreviver e, enquanto isso, a vida vai passando. Meus irmãos se envolvem no crime, e eu, por mais que tente evitar, sinto a pressão me puxando para o fundo. O medo de não ter dinheiro, de não ter o que comer, de não poder sustentar a minha família é maior do que o medo de fazer o errado. E assim, de mais um dia, eu me vejo me entregando ao que sempre jurara evitar.
“Mais um”, pensam os outros. “Mais um que se perdeu.” Eu vejo isso nos olhares, nas conversas sussurradas. O que poderia ser um futuro brilhante agora se transforma em uma série de decisões ruins, cada uma mais pesada que a anterior. O peso da culpa é um fardo que carrego todos os dias. Eu queria fazer mais, eu queria ser mais, mas o sistema não dá trégua.
E no meio de tudo isso, a música ainda grita dentro de mim. As rimas que escrevo falam da vida que eu vivo, da dor que sinto. Mas cada verso parece me lembrar do quão distante estou dos meus sonhos. Estou preso em uma realidade onde sou só mais um, mais um na fila de uma vida sem esperanças, mais um que se perdeu no caminho. E a cada dia, o medo de me tornar apenas mais um nome na estatística vai se tornando mais real.
Sinto que a vida me observa, me analisa. Sou só mais um na lista, mas no fundo, eu sei que não quero ser apenas isso. Mas a pergunta que ecoa na minha mente é: o que eu posso fazer para mudar? O que eu posso fazer para não ser mais um? As respostas são escassas, e a luta continua. Cada dia é uma nova chance de mudar a narrativa, mas a dúvida persiste. Eu sou mais um, e talvez, isso seja o mais doloroso de tudo.
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Negro DRAMA
Historical Fiction"O Peso do Silêncio" é um romance visceral que mergulha nas profundezas da vida na periferia, inspirado no icônico "Negro Drama" dos Racionais MC's. A história acompanha Gabriel, um jovem negro que luta contra o sistema opressor que já o condenou de...