A Multidão é um Monstro Sem Rosto e Coração

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Capítulo 72: A Multidão é um Monstro Sem Rosto e Coração

A cidade fervilhava como um caldeirão prestes a transbordar. As ruas estavam lotadas de gente, mas, para mim, a multidão não passava de um monstro sem rosto e coração. Cada pessoa era um fragmento de um todo que se movia em uníssono, como se todos estivessem presos a um destino em comum, mas, ao mesmo tempo, cada um lutava sua própria batalha solitária.

Eu caminhei entre eles, tentando encontrar um sentido em meio à confusão, mas tudo o que via eram rostos apagados, sem vida. Cada olhar que cruzava o meu parecia vazio, perdido na rotina diária. Eles estavam lá, mas não estavam. Era como se a cidade tivesse engolido suas almas, deixando apenas corpos em movimento, consumidos pela apatia.

“Esse é o preço de viver aqui”, pensei, recordando as palavras de minha mãe. Ela sempre falava sobre o perigo de se perder em meio à indiferença da sociedade. “A multidão pode te engolir se você deixar. Não se esqueça do que realmente importa.” E, ao olhar para aquelas figuras anônimas, sentia que ela estava certa.

Lembrei-me das conversas que tinha com ela sobre o poder da individualidade. Ela costumava dizer que cada um de nós era único, uma chama que podia iluminar até os lugares mais sombrios. Mas, ao mesmo tempo, a cidade parecia fazer o oposto: ela tentava apagar essas chamas, tornando tudo em cinzas.

“Quem são eles? O que pensam? O que sentem?”, me perguntava enquanto observava os rostos ao meu redor. Cada um deles trazia suas próprias histórias, suas alegrias e tristezas, mas ninguém parecia disposto a se conectar. Era como se estivéssemos todos encenando um papel, sem nunca revelar o que realmente se passava por trás das máscaras.

Um jovem passou por mim, seus olhos perdidos no horizonte, a expressão de quem carregava o mundo nos ombros. Uma mulher idosa, com o olhar cansado e profundo, estava à beira da calçada, como se esperasse por algo ou alguém que nunca chegaria. E uma criança, de olhos brilhantes e cheios de curiosidade, corria ao lado da mãe, sem perceber que o sorriso poderia se apagar rapidamente naquele cenário.

Era um espetáculo de contrastes. Havia vida e morte, esperança e desespero, tudo misturado em uma dança insana, e eu estava no meio disso, tentando encontrar meu próprio ritmo. E, naquele instante, percebi que a única maneira de resistir ao monstro sem rosto era lembrar de quem eu era e do que representava.

Os ecos das risadas e gritos se misturavam com os ruídos dos carros, criando uma sinfonia dissonante que ecoava em meus ouvidos. Mas, mesmo no meio do caos, eu sabia que ainda havia cor e sabor na vida. Cada história era uma gota de tinta em uma tela branca, e, mesmo que a multidão tentasse borrar os contornos, eu precisava lutar para manter a minha história viva.

A multidão poderia ser um monstro sem rosto, mas eu não era apenas mais um. Eu era Gabriel, filho de uma mulher que sonhou em me ver brilhar. E, com cada passo, me comprometi a não deixar que esse monstro me engolisse, a não me tornar uma sombra entre tantos.

Enquanto caminhava, decidi que, mesmo diante da frieza do mundo, eu carregaria a chama da minha mãe e a luz que ela sempre buscou. E assim, nesse mar de rostos anônimos, eu não apenas existiria — eu viveria e contaria minha história, ainda que a multidão tentasse apagar cada palavra.

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