Você Deve tá Pensando

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Você deve tá pensando, se vale a pena tudo isso. Se viver nessa corda bamba entre o que a gente sonha e o que a realidade nos entrega faz algum sentido. Às vezes, até eu me pergunto. O que nos mantém em pé? O que nos faz continuar andando por essas vielas, enfrentando os cortiços, os olhares duros, as portas fechadas? Talvez seja só teimosia. Talvez seja aquele resquício de esperança que a favela ainda não conseguiu matar.

Richard já não é o mesmo. E quem pode culpá-lo? As cicatrizes que carrega, as escolhas que fez, tudo isso molda a gente de uma maneira que não dá pra voltar atrás. Quando olho pra ele agora, vejo o reflexo de muitos outros que passaram pela mesma trilha. Ele é só mais um na multidão, mas também é único. Único porque eu conheço a história dele. Porque vi o que ele perdeu, o que a vida arrancou sem aviso.

As vielas, os cortiços, a favela — esses lugares devoram a alma. É como se cada esquina, cada parede grafitada, levasse um pedaço do que a gente era. Mas, mesmo assim, a gente continua. Porque o medo de parar, de cair no esquecimento, é maior que qualquer dor. Porque aqui, se você vacilar, o mundo não só te esquece. Ele te apaga.

E você deve tá pensando: vale a pena? Eu não sei. Talvez seja só uma questão de sobrevivência. De resistir. De tentar encontrar algum sentido nesse caos, mesmo que, no fundo, a gente saiba que não tem. Porque o que sobrou pra gente é isso: a luta constante. Não é um luxo, é necessidade. E quem tá de fora, quem não anda por essas ruas, quem não sente na pele o frio das madrugadas ou o calor sufocante do asfalto rachado, nunca vai entender.

Você deve tá pensando se dá pra sair. Se dá pra fugir desse ciclo. Mas como fugir de algo que já tá enraizado em você? A favela não é só um lugar. É uma marca, uma tatuagem invisível que a sociedade te obriga a carregar. E mesmo que você consiga sair fisicamente, mentalmente, emocionalmente, você sempre vai ser parte disso aqui.

Richard, eu, todo mundo que cresceu aqui sabe que o sonho de sair é só isso: um sonho. A realidade é muito mais cruel. Não tem caminho fácil, não tem final feliz garantido. O que tem é o dia a dia, a sobrevivência. E, no meio disso tudo, às vezes a gente tenta achar um pouco de paz, um respiro que seja. Mas até isso parece uma ilusão.

Você deve tá pensando que a gente podia ter feito diferente. Que as escolhas erradas foram culpa nossa. Talvez tenha sido. Talvez não. Mas no fim das contas, o que importa? Estamos aqui, presos nesse ciclo, e tudo o que nos resta é continuar caminhando. Mesmo que a estrada leve pro abismo.

Olhando pra Richard agora, sentado na beira da cama daquele cortiço, com os olhos fixos no nada, eu percebo que ele também deve tá pensando nisso tudo. Se valeu a pena. Se ainda vale. Mas o que eu vejo é que ele já não se importa mais com a resposta. Porque, pra ele, a luta já foi travada e perdida. O que resta agora é o vazio.

E talvez você esteja pensando que é só uma questão de tempo até ele sucumbir. Até ele desaparecer como tantos outros. E talvez esteja certo. Mas enquanto ele estiver respirando, enquanto ele ainda levantar de manhã e encarar o dia, mesmo que sem esperança, ainda há algo ali. Um resquício de luta. Uma fagulha que resiste.

E no final das contas, é isso que a favela faz. Ela apaga, ela sufoca, mas ela também mantém viva essa faísca. Porque desistir completamente... isso não é uma opção pra quem vive aqui.

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Negro DRAMAOnde histórias criam vida. Descubra agora