Capítulo: Eu Quero Até Sua Alma
Gabriel acelerou na avenida, o vento batendo na cara e levando embora qualquer pensamento de dúvida. Tinha aprendido uma coisa cedo na vida: ninguém dá nada de graça. As pessoas queriam sugar até sua alma se deixasse. E ele via isso cada vez mais claro agora que tinha saído da lama e chegado onde muitos nunca vão. Era tipo assim, todo mundo que um dia te ignorou, agora te quer por perto. Mas não era porque você é legal, é porque você virou um bilhete premiado.
Ele lembra dos tempos de escola, do quanto foi zoado, do quanto as professoras olhavam atravessado, como se ele fosse um caso perdido. Agora, aquelas mesmas pessoas, aquelas mesmas professoras, vinham com sorriso falso, dando tapinha nas costas, perguntando quando iam ganhar um showzinho privado ou uma ajudinha financeira. "Ah, Gabriel, sempre soube que você ia ser alguém", mentiam, descaradamente. Só que ele lembrava bem das palavras duras, das reprovações e do "vai dar em nada" que ouvia quase todo dia.
"Demorou, né? Eu sei. Mas o jogo virou", pensava ele, enquanto continuava seu caminho. A realidade era dura, mas ele tinha aprendido a sobreviver nela. Agora, a favela o via como um herói, mas não dava pra esquecer que, quando ele não tinha nada, ninguém queria saber de seu corre. Quando ele tentava vender sua música, mal conseguia juntar gente pra escutar. Agora, era show lotado, fama subindo e os mesmos que viravam a cara pediam ingressos. O mundo era sujo e Gabriel não ia deixar ninguém tirar proveito da sua vitória.
A Hipocrisia Vem de Todos os Lados
O problema maior era ver aqueles que vinham com papo de amizade, de "sempre te admirei", mas que, por trás, só queriam um pedaço da grana. Tinha gente que queria um carro igual ao dele, queria o respeito que ele conquistou com o sangue. Mas não dava, respeito não se comprava. E ele fazia questão de deixar isso claro.
Quando chegou no evento beneficente da quebrada, já sabia que ia rolar um monte de mão estendida. Uns pedindo dinheiro, outros pedindo favores. Era sempre assim. Ajudar a favela ele ajudava, mas também não era bobo. Tinha gente que só queria sugar. E ele sabia, cada passo que dava, cada decisão, tinha que ser com cautela. Quem anda sozinho é fácil de derrubar, mas quem se cerca de quem confia, sobrevive ao tiroteio.
Gabriel viu Ana Beatriz no canto, aquela mesma menina que um dia tinha o zoado na escola. Ela estava diferente agora, toda sorridente, tentando se aproximar. "E aí, Gabriel, lembra de mim?" Claro que ele lembrava. Lembrava bem demais. Ela tinha feito questão de tornar seus dias na escola um inferno. Falava de sua roupa, de seu jeito, zoava o sonho de ser cantor. Agora, ela vinha com papo doce, toda cheia de boas intenções.
Ele deu aquele sorriso falso, sabendo o que ela queria. "Agora tá de olho no que, Ana? No carro? No dinheiro? No nome que eu fiz?" Ele não precisava dizer mais nada. Ana Beatriz gaguejou, tentou disfarçar, mas ele já tinha sacado.
O Preço da Fama
Com o tempo, Gabriel foi percebendo que o preço da fama não era só lidar com o sucesso, era lidar com a falsidade. Ele sabia quem estava com ele de verdade e quem só queria a oportunidade de subir nas suas costas. E, de verdade, era pouca gente que valia a pena manter por perto. A maioria vinha com aquele sorrisinho forçado, já de olho no próximo favor, na próxima chance de ganhar alguma coisa com ele.
O que o deixava mais irritado era ver os mesmos policiais que o perseguiam, que o paravam na rua só porque ele estava andando com os manos, agora o tratando como se fosse um exemplo. "Gabriel, você é um orgulho pra nossa cidade", diziam. Mas ele lembrava das noites em que tinha que correr dos carros da polícia, dos enquadros sem motivo, das vezes que foi humilhado só por estar no lugar errado, na hora errada. Agora, eles queriam uma foto, queriam mostrar que tinham ajudado ele a chegar ali.
Lembranças Amargas
Ele nunca ia esquecer. Por mais que agora tivesse tudo — dinheiro, fama, respeito — as memórias amargas continuavam. Os professores que não acreditavam, os colegas que riam, a polícia que o caçava. Tudo isso estava gravado na sua mente. Ele sabia que não podia mudar o passado, mas também não ia fingir que aquilo não aconteceu. Por isso, quando alguém vinha com papo de "esquece o que passou", ele simplesmente ignorava. Esquecer? Nunca. Ele chegou ali por causa disso.
Quando Gabriel chegou em casa, se olhou no espelho e lembrou de tudo. "Eu quero é mais", pensou. Mais do que só o que a favela achava que ele podia ter. Ele queria o respeito de quem o menosprezou. Queria que os racistas tivessem que engolir o sucesso dele. Mas sabia que, no fundo, pra eles, ele ainda era o moleque da favela, o pretinho pobre que eles nunca imaginaram que podia sair da lama.
Agora Tô Aqui
E agora ele tava ali, firme. Ouvindo as mesmas pessoas que diziam que ele nunca ia ser nada, tentando colar nele. Mas Gabriel não era bobo. Ele sabia que todo mundo queria um pedaço. Mas ele também sabia o que era correr pelo certo, sem vender a alma. Cada vitória tinha sido sua, cada queda, ele se levantou sozinho. Não ia dar mole agora, não ia deixar ninguém tirar o que era dele.
O jogo era esse: quem te ignorava, agora te bajula. Mas Gabriel jogava do jeito dele, com a cabeça no lugar e o pé no chão.
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Negro DRAMA
Historical Fiction"O Peso do Silêncio" é um romance visceral que mergulha nas profundezas da vida na periferia, inspirado no icônico "Negro Drama" dos Racionais MC's. A história acompanha Gabriel, um jovem negro que luta contra o sistema opressor que já o condenou de...