Capítulo: Aí, o Rap Fez Eu Ser o Que Sou
A batida pesada do funk ainda ressoava na mente de Gabriel enquanto ele caminhava pelas ruas que um dia foram seu único mundo. O rap não era apenas música para ele; era a válvula de escape, a maneira de expressar o que sentia e pensar sobre a vida na favela. "Aí, o rap fez eu ser o que sou", ele repetia para si mesmo, refletindo sobre cada verso que havia escrito, cada rima que havia solto.
A favela nunca foi fácil. As noites eram longas, iluminadas apenas pelas luzes das casas de madeira e pelos sons distantes dos carros. Gabriel lembrava-se das vezes que, sozinho no quarto, rascunhava letras que falavam das dores e das lutas diárias. O rap era sua forma de resistência, sua maneira de lutar contra a invisibilidade que a sociedade tentava impor sobre ele e sua comunidade.
Ele chegou à garagem do seu carro, um sedã preto que simbolizava o quanto havia mudado. Mas, por dentro, ainda era o mesmo garoto que corria pelas ruas, sonhando em escapar da realidade dura. O dinheiro vinha, sim, mas com ele, as complicações. A ganância dos outros começou a aparecer, e Gabriel teve que aprender a filtrar quem realmente se importava e quem estava apenas atrás do que ele tinha.
Naquela noite, ele recebeu uma ligação de um dos seus antigos colegas, Lucas. "Gabriel, irmão, cê não vai acreditar. Os caras querem uma reunião. Dizem que têm algo grande pra te oferecer." Gabriel hesitou. Sabia que, muitas vezes, essas oportunidades vinham com um preço alto. Mas a curiosidade falou mais alto, e ele decidiu ir.
A reunião aconteceu em um dos barracos de pau da Pedreira, onde as luzes piscavam e o cheiro de churrasco invadia o ar. Os caras que se aproximaram dele estavam de olho no sucesso, querendo uma fatia do bolo que Gabriel estava construindo. "Mano, cê tem tudo agora. Vamos fazer parceria, ganhar mais grana juntos", disse um deles, com um sorriso que não alcançava os olhos.
Gabriel observou cada detalhe, tentando ler as intenções por trás das palavras. Ele sabia que no mundo dele, ninguém fazia nada de graça. "E o que exatamente cê querem, então?" ele perguntou, mantendo a postura firme.
"É simples, irmão. Você tem talento, temos conexões. Juntos, podemos dominar o mercado. Mais shows, mais músicas, mais dinheiro", respondeu o outro, tentando parecer confiante.
Gabriel sentiu o peso da decisão. O rap havia sido sua salvação, mas agora parecia que ele estava prestes a se envolver em algo que poderia desviar do caminho que havia escolhido. "Mano, eu tô tentando ajudar a quebrada, não me envolver em esquemas que só beneficiam a gente de cima. Não tô nessa pra enriquecer sozinho", ele respondeu, firme.
Os caras tentaram argumentar, mas Gabriel sabia que tinha feito a escolha certa. Ele se levantou, agradeceu a oportunidade e saiu daquele barraco sem olhar para trás. Aquelas parcerias nunca levavam a nada além de problemas, e ele não ia se permitir cair nessa armadilha novamente.
Voltando para casa, Gabriel refletiu sobre como o rap havia transformado sua vida. Ele não era apenas um artista; era um líder, alguém que podia influenciar positivamente sua comunidade. Decidiu que iria focar em projetos que realmente ajudassem a favela, investindo em educação, esporte e cultura. A música seria a ferramenta para empoderar os jovens, mostrar que havia alternativas ao caminho fácil, mas perigoso, do crime.
Na manhã seguinte, ele se reuniu com sua equipe para discutir novos projetos. "Gente, o rap me salvou, me deu voz. Agora, é hora de retribuir. Vamos criar espaços onde os moleques possam desenvolver suas habilidades, aprender sobre música, arte, esporte. Não quero que ninguém se perca no caminho que eu quase perdi", declarou Gabriel, com determinação.
A equipe respondeu com entusiasmo. Sabiam que Gabriel tinha passado por muitas coisas e que sua experiência era valiosa para inspirar outros. Eles começaram a planejar oficinas, eventos e até mesmo pequenas gravações para dar visibilidade aos talentos da favela. A realidade era dura, mas a esperança, mesmo que pequena, ainda pulsava no coração deles.
Enquanto trabalhava nos projetos, Gabriel também enfrentava desafios pessoais. O dinheiro continuava chegando, mas ele aprendia a gerenciá-lo de maneira responsável. Investiu em melhorias para a comunidade, ajudou a financiar a educação de jovens promissores e garantiu que parte dos lucros fosse destinada a projetos sociais. Mas, mesmo com todo o sucesso, ele nunca deixou de lembrar de onde veio. A favela sempre seria parte dele, e ele faria questão de manter suas raízes firmes.
Certa noite, depois de um dia exaustivo de trabalho, Gabriel estava sozinho no quarto, refletindo sobre tudo que havia conquistado. "O rap fez eu ser o que sou", murmurou, pegando o microfone e começando a cantar uma nova música. As palavras fluíam naturalmente, carregadas de emoção e realidade. A letra falava das lutas, das conquistas e da importância de não esquecer suas origens.
Enquanto cantava, ele sabia que estava construindo algo maior do que si mesmo. Era uma mensagem para todos que vinham de lugares difíceis, uma prova de que, mesmo na lama, é possível encontrar diamantes. O rap continuava sendo sua voz, sua forma de contar histórias e inspirar mudanças.
E assim, Gabriel seguia firme, equilibrando o sucesso com a responsabilidade. Sabia que a jornada ainda era longa e cheia de desafios, mas estava determinado a não deixar que nada o desviasse do caminho que havia escolhido. A favela não era apenas um lugar de sofrimento; era um terreno fértil para sonhos e transformação, e ele estava pronto para colher os frutos desse solo árido, com a mesma determinação que o rap lhe ensinou.
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Negro DRAMA
Historical Fiction"O Peso do Silêncio" é um romance visceral que mergulha nas profundezas da vida na periferia, inspirado no icônico "Negro Drama" dos Racionais MC's. A história acompanha Gabriel, um jovem negro que luta contra o sistema opressor que já o condenou de...