Eu Sou Problema de Montão, de Carnaval a Carnaval

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Capítulo 88: Eu Sou Problema de Montão, de Carnaval a Carnaval

“Eu sou problema de montão, de Carnaval a Carnaval.” Essa frase ecoava na minha mente enquanto eu caminhava pelas ruas da quebrada, onde as festas e os problemas se misturavam como uma mistura de ritmos pulsantes e a dura realidade. O Carnaval, que deveria ser uma celebração da cultura e da alegria, muitas vezes se tornava um palco de conflitos, violência e promessas não cumpridas.

Enquanto os foliões se jogavam nas festas, eu via as mesmas caras de sempre: os manos jogando conversa fora, as minas dançando e se divertindo, e, ao fundo, a sombra da criminalidade sempre presente. O brilho das fantasias não conseguia esconder a dura verdade da vida na favela. E eu, mesmo em meio a toda aquela alegria, sentia o peso dos problemas que acumulavam em minha vida, como se cada fantasia estivesse costurada com as frustrações e os desafios que enfrentava.

A cada Carnaval, uma nova história surgia. Algumas eram de alegria e amor, enquanto outras eram de tristeza e perda. As pessoas faziam questão de celebrar, mas eu sabia que, logo após o brilho das serpentinas e o som dos tamborins, a realidade voltava a nos envolver. O que muitos viam como diversão, eu via como uma forma de escapar — mesmo que temporariamente — das dificuldades diárias.

Olhando para os jovens da quebrada, percebia que muitos deles estavam apenas esperando a sua vez de se perder em meio ao caos. Eu, por outro lado, lutava para não me deixar levar. Sempre que a folia começava, eu sentia um chamado irresistível. O som da bateria, o cheiro de churrasco, a alegria contagiante, tudo isso me atraía. Mas, ao mesmo tempo, havia a voz interna que me alertava: “Cuidado! O caminho pode se desviar a qualquer momento.”

Lembrava de um amigo, o Igor, que sempre era o primeiro a se jogar no Carnaval. Ele adorava a festa, mas sua história era marcada por problemas com a polícia e rivalidades que nunca se apagavam. Num Carnaval passado, ele estava tão envolvido que acabou se metendo em uma briga e, no final da festa, teve que correr para não ser pego. “Gabriel, isso aqui é só festa, mas a vida é uma luta”, ele sempre dizia. E suas palavras ressoavam em mim, como um eco constante.

Naquele ano, decidi que não queria ser apenas mais um folião, alguém que se deixava levar pelas festas e esquecia os problemas. Eu queria ser uma voz, um representante da quebrada que falasse sobre as dificuldades e as realidades que muitos preferiam ignorar. “Eu sou problema de montão, de Carnaval a Carnaval”, é verdade, mas isso não me define. O que eu queria era usar minha música para expor o que realmente acontece, para que todos pudessem ver além da folia.

Os problemas não desapareceriam com a chegada do Carnaval, mas eu poderia transformá-los em arte. Em vez de me perder na festa, decidi que iria compor uma nova música, que falasse sobre a dualidade do Carnaval na favela: a alegria efêmera e a dor que persiste. Queria contar a história de quem vive no limite, entre a festa e a realidade.

Enquanto as escolas de samba se preparavam para os desfiles e os blocos se organizavam para as ruas, eu sentia a pressão de expressar tudo isso em versos. A música precisava ser honesta, precisava mostrar que, mesmo no meio da festa, havia quem não conseguisse escapar dos problemas que a vida traz.

E assim, com a caneta na mão e a mente fervilhando de ideias, comecei a escrever. Cada linha trazia a luta dos jovens da quebrada, cada verso lembrava as histórias de perdas e conquistas, o desejo de sonhar em meio ao caos. Eu sabia que o Carnaval poderia ser um grito de resistência, uma forma de celebrar a vida apesar dos problemas.

“Sou problema de montão, mas também sou esperança”, escrevi, numa tentativa de mesclar a dor e a luta com um desejo de mudança. Era hora de mostrar que, mesmo em meio aos desafios, a arte e a música poderiam abrir portas e dar voz a quem muitas vezes é esquecido.

Assim, decidi que o próximo Carnaval seria uma plataforma para minha mensagem, um espaço para que todos pudessem ver que, por trás das máscaras e das fantasias, existia uma realidade que precisava ser contada. E eu seria a voz que ecoaria por essas ruas, trazendo à tona as verdades que muitos preferiam esconder.

No final, o Carnaval seria apenas mais uma etapa, mas minha música seria o legado que deixaria, uma lembrança de que a vida na quebrada, apesar de seus problemas, ainda poderia ressoar em melodias de resistência e esperança.

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