Não foi sempre dito que preto não tem vez?

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Gabriel sempre ouvira essa frase, como um eco insistente que acompanhava sua vida desde a infância. "Preto não tem vez." Essa sentença não vinha apenas de palavras soltas ao vento, mas estava impregnada na cultura, nas piadas, nas notícias que circulavam sobre sua comunidade. Ele cresceu ouvindo isso e, mesmo que tentasse não dar ouvidos, a verdade era que a frase o seguia como uma sombra.

Enquanto observava as luzes da cidade de São Paulo piscando à distância, Gabriel refletiu sobre tudo o que tinha vivido. O contraste entre os arranha-céus reluzentes e as vielas apertadas da favela parecia simbolizar a luta que sempre esteve presente em sua vida. As promessas de uma vida melhor se esbarravam na dura realidade que lhe era imposta, e ele se perguntava se realmente havia espaço para um garoto como ele.

Desde pequeno, Gabriel sonhava em ser alguém importante. Queria ser ouvido, ter uma voz que ecoasse, mas sempre havia algo em seu caminho. Na escola, os professores diziam que ele era inteligente, mas as limitações financeiras da família o mantinham longe das oportunidades que seus colegas brancos tinham. Enquanto seus amigos planejavam suas vidas na universidade, Gabriel se via preso a um ciclo de obrigações, responsabilidades e um medo constante de fracassar.

A rotina na favela era um campo de batalha, e ele tinha que lutar contra inimigos invisíveis: o preconceito, a pobreza e a desesperança. A cada dia, a frase "preto não tem vez" parecia se concretizar mais e mais. Ele via amigos seus desistirem dos sonhos, se rendendo à violência ou ao tráfico, convencidos de que a vida deles não era mais do que uma sequência de eventos sem significado.

Gabriel não queria ser mais um número na estatística de jovens negros que se perdiam. Ele desejava mais. Queria mudar a narrativa, não apenas para ele, mas para todos os que se sentiam como ele. Quando soube do projeto de Maria e suas oficinas de escrita, algo dentro dele despertou. Era a chance de expressar sua verdade, de mostrar que, apesar de tudo, eles existiam e tinham histórias para contar.

Naquela noite, ele decidiu participar. Ao entrar na sala onde Maria e outros jovens se reuniam, sentiu um misto de ansiedade e esperança. As paredes estavam decoradas com folhas de papel que continham trechos de suas histórias, palavras que gritavam e sussurravam ao mesmo tempo. Havia uma energia no ar que era palpável. Ele não estava mais sozinho.

Maria começou a reunião, explicando a importância de cada um compartilhar suas vivências. "Nossas histórias são nossas armas", disse ela, com um brilho nos olhos. "Elas têm o poder de desafiar a narrativa que nos foi imposta." As palavras dela ressoaram em Gabriel, que sentiu uma onda de coragem invadi-lo.

Quando chegou a sua vez de falar, a voz de Gabriel tremia. Ele começou a narrar suas experiências, como cresceu ouvindo que não tinha vez, e como isso moldou sua perspectiva de mundo. Ele falou sobre as dificuldades que enfrentou, os sonhos que sonhou e as vozes que sempre lhe disseram que ele não era suficiente.

Enquanto falava, algo começou a mudar dentro dele. Ao contar sua história, ele percebeu que estava reescrevendo a frase que tanto o aprisionava. "Não foi sempre dito que preto não tem vez?", ele afirmou, "mas eu estou aqui, e minha voz importa!" O silêncio foi substituído por aplausos e sorrisos de encorajamento. O que antes era apenas uma frase negativa se tornara um desafio, um convite para que todos se levantassem e reclamassem seu espaço.

Naquela sala, Gabriel não apenas encontrou sua voz, mas também se sentiu parte de algo maior. A união das histórias era um grito coletivo que desafiava a narrativa que tentavam impor a eles. E ao final daquela reunião, ao olhar nos olhos de seus colegas, Gabriel sentiu que a mudança estava começando. A resistência não era apenas uma ideia abstrata; era real, e ele estava determinado a fazer parte dela.

A luta não seria fácil, mas ele havia decidido que não se deixaria abater. A cada palavra escrita, a cada história compartilhada, eles estavam desafiando o destino que muitos tentavam impor a eles. A frase que uma vez o oprimira agora se tornara combustível. Não era mais uma sentença que o definia; era um grito de luta que ecoaria por toda a sua comunidade.

Gabriel saiu daquela reunião com uma nova determinação. A vida na favela poderia ser difícil, mas ele estava pronto para lutar, não apenas por ele, mas por todos que carregavam a mesma luta. Ele sabia que as histórias podiam mudar a percepção, e ele estava decidido a escrever um novo capítulo, onde a voz da periferia finalmente seria ouvida.

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