Seu Filho Quer Ser Preto? Ah, Que Ironia

0 0 0
                                    

Capítulo 67: Seu Filho Quer Ser Preto, Ah, Que Ironia

A cena era uma verdadeira ironia da vida, um reflexo de tudo que a sociedade tentava esconder sob o tapete. Em um bairro nobre da cidade, onde o dinheiro escorria como água e as mansões eram rodeadas por muros altos, Gabriel se viu em uma conversa inesperada. Ele estava lá para um evento de caridade, algo que, a princípio, lhe parecia distante da sua realidade. Mas ali estava ele, vestido com uma jaqueta de couro e um sorriso descontraído, pronto para encarar mais um dia da sua nova vida.

A festa estava a todo vapor. Músicos tocavam ao fundo, e as risadas e conversas se misturavam no ar. Ele estava cercado por pessoas que pareciam tão distantes de sua vivência na favela. E foi então que ouviu uma conversa entre dois pais que se destacava no meio da algazarra.

“Você viu como o Pedro se comporta? Ele anda querendo ser igual ao Gabriel, só porque o viu em uma entrevista! Agora ele quer se vestir como os rappers e até fala gíria!” dizia uma mãe, com um tom de indignação na voz.

A outra mãe riu, mas havia um tom de preocupação nas suas palavras. “Eu não sei onde ele arranjou essas ideias! Ele é branco, não pode ficar imitando o que não é. Ele precisa se valorizar como é, sabe? Esses meninos da favela têm uma vida tão diferente. A última coisa que eu quero é que meu filho fique na rua, como esses ‘guerreiros’ que vemos na TV. Ele tem que focar nos estudos, no futuro.”

Gabriel parou para ouvir, seu coração pulsando com uma mistura de raiva e tristeza. Era um tipo de conversa que o seguia como uma sombra, uma constante lembrança de como a sociedade se dividia entre aqueles que tinham acesso a oportunidades e aqueles que eram vistos como produtos do gueto, como se a cor da pele definisse seu destino.

“Esses meninos da favela”, pensou Gabriel, “são considerados como se não tivessem valor, mas o que é o valor deles se não a luta diária, a resistência e a cultura que criam em meio ao sofrimento?”

Ele não se importava com o que as mães pensavam. Para ele, a ideia de um menino branco querer se aproximar da cultura negra, querer aprender com as experiências que ele via de fora, era uma possibilidade que devia ser explorada e não reprimida. Mas o que ele percebia era que, para elas, era mais fácil ignorar o que não compreendiam. Era mais fácil apontar o dedo e dizer que era errado do que aceitar que a arte e a vida podem se misturar sem barreiras.

“Ah, que ironia”, murmurou para si mesmo, o olhar fixo na festa enquanto refletia sobre como a sociedade frequentemente se contradizia. “As pessoas olham para a cultura da favela como se fosse uma praga, mas o que elas não veem é que é a essência de muita coisa que consomem. A música, a moda, até mesmo a linguagem. Elas querem o que é nosso, mas não querem a gente.”

O menino, Pedro, estava em um canto, observando tudo com um brilho nos olhos. Ele tentava imitar o jeito de andar dos rappers, dando passos exagerados, e Gabriel sentiu um impulso de se aproximar dele. Queria dizer que não havia problema em se inspirar, em querer ser parte de algo maior. Mas, ao mesmo tempo, ele sabia que a transição entre mundos era cheia de complexidades.

Ele decidiu se aproximar, curvando-se para ficar na altura do garoto. “Ei, cara! O que você acha de ser igual a mim? Você sabe que você não precisa se sentir diferente por isso, certo? A música, a dança, tudo isso é uma forma de se expressar. Não importa a cor da sua pele, mas a intensidade do seu coração.”

Pedro olhou para Gabriel com admiração, um sorriso tímido se formando em seu rosto. “Mas eles disseram que eu não posso. Que eu tenho que ser eu mesmo, e não copiar os outros.”

“Escuta, irmão. Você pode ser você mesmo e ainda se inspirar no que é bom. O importante é entender que cada um de nós vive uma realidade diferente, mas isso não significa que você não possa aprender com a minha. Não deixe que o que os outros dizem te impeça de ser quem você quer ser. Apenas respeite de onde vem, e você vai longe.”

A conversa foi interrompida por uma nova onda de música que encheu o ar, mas Gabriel sentiu que tinha plantado uma semente naquele garoto. Afinal, a vida era feita de escolhas, e o que ele realmente queria era que, independente das circunstâncias, todos tivessem a chance de fazer suas próprias.

Enquanto voltava para o grupo, ele refletiu sobre a ironia do mundo. O filho dos ricos queria se aproximar da vida que ele havia deixado para trás, e isso não era um sinal de fraqueza, mas uma curiosidade genuína. Era um sinal de que, mesmo em meio às diferenças, havia uma busca pela conexão, uma tentativa de se entender melhor em um mundo que muitas vezes separava as pessoas por cor, classe e história.

“Talvez a esperança ainda exista, mesmo que não pareça”, pensou Gabriel, olhando para a festa que se desenrolava diante dele. Ele se lembrou de que sua própria jornada estava apenas começando e que a vida, com suas ironias e complexidades, ainda tinha muito a oferecer.

Negro DRAMAOnde histórias criam vida. Descubra agora