Agora Tá de Olho no Carro Que Eu Dirijo?

0 0 0
                                    

Capítulo: Agora Tá de Olho no Carro Que Eu Dirijo?

O barulho do motor desligando ecoou na quebrada. Gabriel saiu do carro, um sedã importado que chamava a atenção por onde passava. Ali, naquela rua de asfalto rachado e casas com muros improvisados, ele sabia que o carro era um símbolo. Não só de grana, mas de respeito. O problema é que esse respeito, às vezes, vinha de gente que nunca o considerou.

Enquanto ele passava pelo portão da casa da tia, já sentia os olhares. A galera da esquina, que antes nem notava sua existência, agora o cumprimentava como se fossem amigos de infância. Uma tentativa forçada de proximidade, sempre com aquele brilho de inveja nos olhos. Gabriel reconhecia a expressão, já tinha visto ela muitas vezes, mas agora estava mais explícita.

Quando ele chegou, o pessoal veio em cima. Os moleques mais novos, que cresceram ouvindo falar dele, olhavam para o carro com admiração, perguntando quanto custava, qual era a marca, se andava rápido. Gabriel ria, deixava eles sonharem um pouco, porque sabia o que era isso. Ele tinha sido aquele moleque, olhando os carros dos outros com o mesmo olhar, imaginando se um dia aquilo seria possível para ele.

Mas os olhares dos mais velhos eram diferentes. Alguns nem faziam questão de disfarçar. Havia uma mistura de curiosidade e ressentimento. Entre eles, estava um professor que Gabriel conhecia bem. Era o mesmo que o chamava de irresponsável na escola, que dizia que ele nunca ia ser nada se não estudasse.

As Máscaras Caindo

O professor, de repente, parecia ser só sorrisos. Gabriel viu ele se aproximando, um daqueles cumprimentos falsos de quem agora queria agradar. O cara que nunca acreditou nele, que fazia questão de ignorar sua presença em sala de aula, agora o chamava pelo nome e falava como se fossem amigos de longa data.

"Carro bonito, hein, Gabriel? Tá mandando bem!" disse o professor, tentando puxar assunto, como se a diferença entre eles nunca tivesse existido.

Gabriel não disfarçou o desprezo. Ele sabia o que aquilo significava. Não era admiração, era conveniência. O carro, o dinheiro, a fama – tudo isso fazia com que as pessoas mudassem de postura. E o que mais o irritava é que agora essas pessoas queriam se aproximar, mas não pela pessoa que ele era. Só pelo que ele tinha conseguido.

"Agora tá de olho no carro que eu dirijo, professor?" Gabriel soltou, encarando o homem. O professor gaguejou, tentando rir para disfarçar, mas ficou sem graça. Não sabia o que responder. Tentou uma desculpa, falando sobre oportunidades, mas Gabriel já tinha perdido o interesse.

O Jogo Sempre Foi Sujo

Olhando ao redor, Gabriel percebeu que o jogo era sempre o mesmo. Quando ele não tinha nada, quando era só um moleque correndo atrás, ninguém dava moral. Agora que ele tinha um carro importado, uma carreira consolidada e dinheiro no bolso, todo mundo queria estar perto. Mas a verdade era que nada daquilo tinha vindo fácil. As noites sem dormir, os sacrifícios, as decisões difíceis – tudo isso ficou esquecido quando o sucesso chegou.

Os caras que riam dele no passado, os que chamavam ele de "vagabundo", agora queriam andar ao seu lado. As pessoas que nunca se importaram com sua história, agora queriam contar vantagens, como se tivessem ajudado de alguma forma. O mais engraçado, porém, era ver os que diziam que ele "traiu" a favela, porque estava ganhando dinheiro.

A Realidade Bate na Porta

Mas Gabriel não se deixava enganar. Ele sabia que o sistema era sujo e que as pessoas, quando veem uma oportunidade de se dar bem, não pensam duas vezes. O que mais irritava ele era o quanto isso era comum. O mesmo cara que lhe negava oportunidades agora queria favores. O mesmo professor que o olhava de cima para baixo, agora estava interessado em saber como ele tinha feito para chegar onde chegou.

Gabriel não tinha tempo para isso. Ele continuava ajudando a quebrada do jeito que podia, mas sabia que não podia salvar todo mundo. Alguns estavam mais interessados no que ele tinha do que no que ele podia oferecer de verdade. E para esses, ele deixava bem claro que não ia ser usado.

Naquele dia, ele subiu na moto e acelerou. Não tinha paciência para lidar com gente falsa. O carro ficava na garagem, mas o respeito de verdade, esse não se compra, não importa o quanto você tenha no bolso.

Seguindo em Frente

O trajeto era sempre o mesmo. Ele passava pelos becos que o criaram, pelas ruas que já tinham sido seu campo de batalha. Só que agora, ele olhava tudo de cima. Não por soberba, mas porque ele sabia que tinha vencido uma luta que muitos nem sequer imaginavam. O Gabriel de antes, o moleque que andava com roupa surrada e sonhava em ser alguém, não tinha desaparecido. Ele ainda estava ali, vivendo em cada conquista.

E cada vez que alguém tentava se aproximar por interesse, ele lembrava do que realmente importava. O respeito. Não pelo carro, não pelo dinheiro, mas por quem ele se tornou. O Gabriel que saía da quebrada sem esquecer suas raízes, mas sem deixar ninguém abusar de sua boa vontade.

Negro DRAMAOnde histórias criam vida. Descubra agora