FLERTE

16 8 16
                                    

Recebi uma carta de Dionísio, um convite. Ele estava por perto, em suas novas terras, e iria dar uma festa de boas-vindas para si mesmo, então me convocou e pediu ajuda para convidar a todos os nossos vizinhos.

— Uma festa em pleno inverno. — Bufei e joguei o papel sobre a mesa. Peguei um ramo de vegetação queimada pelo gelo da neve. A lareira do cômodo estava acesa e Valenius se encontrava sentado ao lado do fogo, com as pernas cruzadas. — Essas pessoas não fazem nada da vida?

— Não. — Ele respondeu com serenidade.

— Percebo. Não aguento mais ir em festas, encontros ou sei lá o que mais. Por isso vovô não parava em casa. — Revirei os olhos enquanto colava a planta na antepenúltima página do meu grosso herbário.

Depois de tanto tempo, o amontoado de páginas e flora tinha se tornado algo grosseiro, de folhas tortas e manchadas de tinta aqui e acolá. Também era um motivo de grande orgulho. O trabalho de uma vida.

— E se eu não desse o sabor de minha presença? — Cogitei em voz alta.

— Se você estiver lá, falam dos outros com você. Se não estiver, falam de você para os outros. — Valenius fez uma colocação muito sensata.

Observei-o por algum tempo, em silêncio, enquanto considerava suas palavras. Não ir seria perder informações boas demais, principalmente porque Dionísio estava chegando por ali e os laços mais fortes dele decidiriam boas alianças. Eu tinha a ideia de fazer aquela grande estrada e rota, pois depois de algum estudo entendi que seria bom para os negócios. Enquanto papai não chegava, eu preparava o terreno para essa empreitada ambiciosa. Seria necessário fazer ligação com outras grandes vias e isso exigiria a passagem pelas terras de alguns vizinhos. Eu devia convencê-los. Até mesmo Dana podia achar ruim a ideia.

Peguei um lápis e comecei a desenhar Valenius, que estava especialmente bonito naquele lugar. Sua beleza fria e quase inexpressiva combinava com o inverno. Mas os sentimentos encarcerados combinavam com o brilho dourado do fogo, que banhava a sua pele.

Percebi tarde demais que tinha rascunhado o rosto dele no meu herbário e não em uma página qualquer. Passei o dedo indicador pelo desenho enquanto segurava a respiração. Soltei o ar, fechei os olhos e me permiti ouvir a parte de mim que estava gritando havia muito tempo.

Olhei novamente para Valenius, seus lábios, braços, cabelos... Meu coração acelerou, pois eu finalmente deixei o sentimento se libertar. Eu queria... Eu o desejava e queria tocar meus lábios nos dele. Só não sabia como fazer aquilo sem que parecesse estranho.

E ele? Ele me desejava? Eu não tinha coragem de perguntar.

— Ana.

Valenius estava logo à minha frente, olhando para o desenho. No susto, fechei o herbário. Minha respiração se tornou irregular. O desespero sem contexto fez ele me olhar com uma expressão confusa.

— Você está bem? — Parecia prestes a chamar por ajuda.

— Sim... Eu apenas estava meditando sobre um assunto. — Tentei desviar com uma meia verdade.

— Talvez eu possa ajudar. — Ele se ofereceu.

— Não! — Respondi de forma desproporcional e ele franziu a testa, estranhando. — São dilemas femininos.

— Ah... — Ele virou a cabeça e me olhou de lado, conservando a expressão de estranhamento.

Foi aí que, para o meu completo desespero, ele colocou a mão no meu pescoço, testando se eu tinha febre. Aquela mão quente me fez ter um arrepio.

Dei um pulo da cadeira e me pus em pé.

— Valenius! — Ralhei enquanto me sentia desajeitada e inadequada.

— Desculpe-me, é que você está vermelha. Achei melhor verificar. — Falou de forma inocente.

Soltei um riso nervoso.

— Eu estou bem, Valenius. Ótima. Veja. — Dei alguns pulos para mostrar que estava bem disposta.

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Vou chamar Solis. Se você não quer dizer para mim, então fale para ela. — Ele determinou e saiu pela porta. Escorei na mesa com as mãos espalmadas e a cabeça abaixada, tomada por vergonha e miséria.

— Ele me quer, eu sei que sim... — Sussurrei. A questão era que eu queria fazer aquilo sem a interferência de ninguém e sem me sentir estranha. O que era complicado.

Solis entrou pela porta com cara de espanto, como se algo grave tivesse acontecido.

— O que se passa, Ana? O que...? — Ela parou com as mãos plantadas nos quadris e cara de dúvida.

— Foi um lapso de insanidade. — Sorri para ela. — Tens notícias de sua mãe?

Ela segurou o queixo com um pouco de dúvida.

— Tenho. Ela disse que está tudo correndo bem, apesar de o inverno ter trazido duas mães com bebês de colo muito doentes. Talvez um deles não sobreviva. — Ela disse com pesar.

Apertei os lábios em uma linha rígida.

— Infelizmente eu não tenho o que fazer contra o clima e a morte. Apenas posso rezar pelas almas delas. — Desabafei. Não era fácil. Eu queria ter dons especiais, como a minha mãe, para ajudar o mundo.

Ana Merak - Dever e HonraOnde histórias criam vida. Descubra agora