Era tudo minha culpa. Se eu tivesse sido mais firme... Se tivesse cuidado melhor dela... Se eu a tivesse afastado do cavalo... O animal não tinha dado nenhum sinal de sua vilania. Apenas fez, diante dos meus olhos, enquanto eu assistia do topo da minha impotência. Foi em menos de um segundo e Ana caiu desmaiada, com as mãos segurando a barriga. Quando retomei o controle sobre mim, senti que já era tarde demais. Mesmo assim eu tinha que tentar. Cheio de medo, com vontade de chorar, sentindo tudo me escorrer por entre os dedos. Primeiro corri com a Ana desmaiada, no meu colo, enquanto ela sangrava. O odor foi ampliado para as minhas narinas. Corri muito mais rápido do que qualquer ser humano, mas no limite porque eu não podia me tornar lobo. Entrei no castelo em desespero. Pousei ela em um sofá enquanto gritava por socorro. Havia muito, muito sangue. Eu já não ouvia mais as batidas do coração do bebê, mas era pior, porque as batidas do coração de Ana estavam se tornando fracas também. Quanto mais aflito eu ficava, mais eu tinha noção de que ela estava morrendo. na ânsia de fazer algo, eu ergui seu vestido, e vi o feto saindo. Já estava grande o suficiente para eu sentir arrepios. Estava entalado. Era uma história de terror.
Eu pranteei vendo Ana lívida, se tornando acinzentada. Uma morte já havia acontecido e a outra estava a caminho. Quando Borjan entrou naquela sala eu o empurrei para fora. Quando a minha mãe e Pricila entraram, minha mãe me segurou contra a parede com a sua força ancestral. Pricila correu para terminar o aborto e tentar salvar a vida de Ana. Eu não me lembro bem, mas eu berrava com as mãos sujas de sangue. O coração de Ana ficava mais fraco enquanto o tempo corria.
Eu chamei ela, gritando por seu nome, para que ela acordasse. Eu berrei por seu nome com uma voz que saía do âmago do meu ser. Minha mãe me jogava contra a parede sempre que eu me soltava. No fim havia um amontoado sangrento no chão. Pricila entrou em sua forma sobrenatural e começou a socar o peito de Ana, com as mãos brilhando. Um osso quebrou, eu ouvi, mas o coração voltou a bater rápido. Pricila começou a cantar uma música que me fez perder todas as forças. Eu e minha mãe caímos de joelhos enquanto ela flutuava de braços abertos.
Não sei bem o que aconteceu porque a minha mãe, mais forte do que eu, tapou meus olhos. Mas ouvi Ana gritando, um grito do fundo da alma. Então o silêncio se fez.
Minha mãe me soltou. Ela estava aterrorizada. Sua face era uma máscara de cera branca e cheia de medo.
Ana me fitava com olhos opacos, desfocados, injetados de sangue. Ofegante e sem forças rastejei até ela e segurei sua mão mole, sentindo-a gelada.
— Não. — Implorei, trêmulo. Um miserável. — Não nos deixe.
Eu sentia culpa e medo. Desespero.
O olhar dela encontrou o meu e lágrimas escorreram de seus olhos, revelando a dor. Meu sogro arrombou a porta e o vi desesperado quando fitou a cena. Ele me empurrou para longe e abraçou a filha enquanto chorava. Ela não podia abraçar, não tinha força. De onde estava eu vi Ana chorando nos braços do pai dela e me senti o menor homem do mundo. Indigno. Eu era oficialmente pai de uma criança morta, cujos restos ainda estavam ali, e, como um menino, eu estava com medo de perder a minha esposa.
O olhar machucado de Ana encontrou o meu outra vez. As lágrimas correndo. Pricila saiu e voltou com algo para Ana beber. O tempo ficou estranho. Ana amoleceu e fechou os olhos.
— Preciso que vocês saiam! — Pricila mandou.
— Eu não vou sair. — Respondi.
— Saiam! — Ela insistiu.
— Eu não vou sair. — Empurrei Borjan enquanto minha mãe o puxava.
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Ana Merak - Dever e Honra
FantasíaAna Merak descende de uma família que se encontrou com a magia em condições adversas. A mãe de Ana era humana, mas foi recrutada para lutar pelo equilíbrio do mundo. Em meio ao caos da vida, a prestigiada Lira Merak deu à luz suas filhas, e teve uma...