ATÉ A VISTA

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O tenebroso dia da partida chegou. Meu pai resolveu sair antes do nascer do sol, para viajar com mais conforto por algum tempo. A guarda do castelo estava quase toda reunida no pátio naquele momento, com carruagens, cavalos e carroças. Havia um pesar trancando a minha garganta. A tristeza era palpável. Jis estava lá, a pedido de meu pai, para dar a bênção para a viagem. Enquanto ele rezava, eu não consegui segurar o choro. A minha mente se tornou um turbilhão de pensamentos e sentimentos. Assim que Jis terminou, abracei o meu pai apertado. Não pedi para ele não ir, mas no fundo eu queria berrar isso. Eu apenas chorei e aspirei o cheiro dele, guardando, desesperadamente, aquelas memórias.

Ele esfregou as minhas costas com as mãos espalmadas, como fazia quando eu era criança e ele queria me dar algum conforto. Comecei a soluçar no silêncio absoluto. Ninguém falou. Os animais não produziam som. Era um silêncio de reverência à nossa despedida.

Quando me soltei, meu pai abriu um sorriso triste com olhar preocupado. Eu conseguia sentir em sua expressão que ele estava quase desistindo de atender ao chamado de Nicolazi. Eu queria que ele desistisse e ficasse ali comigo. Eu não imaginava os meus dias sem ele.

— Logo estarei de volta, minha filha. — Prometeu, secando as minhas lágrimas com os polegares. — Não se preocupe muito.

— Pai... — Eu queria dizer para ele não ir, mas eu não podia fazer isso.

— Tenha cuidado, seja vigilante e não se afaste sem proteção. Você tem responsabilidades agora. Tudo é maior do que nós. — Fez-me lembrar.

Concordei com um gesto de cabeça porque as palavras ficaram estranguladas em mim. Assisti ele vestir a grande capa preta de viagem e pôr o chapéu sobre os cabelos penteados para trás. Ele me deu um beijo na testa.

— Que Deus te guarde. — Abençoou-me com todo o amor que podia expressar.

Então virou as costas, andou até a carruagem e entrou. Assisti ele saindo pelo portão enquanto os primeiros raios de sol banhavam aquela manhã fria. Os sons das rodas, dos cascos dos cavalos e dos comandos da guarda preenchiam o ambiente. Crescia um vazio tenebroso dentro de mim, uma sensação de abandono. Eu só me movi quando os sons não estavam mais audíveis.

Jis pegou na minha mão, chamando a minha atenção.

— Eu preciso resolver algumas questões na Instituição Fēmina, agora que Pricila também partiu. — Ela foi dois dias antes, na calada da noite, e não deixou que víssemos sua ida. Entrou na floresta e não voltou mais. — Mas estarei sempre por aqui. Você vai ficar bem?

— Sim, senhor Jis. — Eu menti pelo bem da administração.

Ele sorriu. Havia muitas rugas nos cantos de seus olhos e os cabelos estavam totalmente brancos. Porém, Jis tinha aquele brilho de juventude que seu estado de espírito conservava intacto.

Ele montou um cavalo e também saiu pelo portão. Os membros da guarda começaram a voltar para os seus próprios lugares, restando apenas a minha guarda pessoal perto de mim. Era o turno de Alin, Aleana, Aurel, Ina e Tenebris. O último e Solis passaram a noite fora porque estavam nos últimos dias de preparação para o Festim, que aconteceria quando a lua cheia chegasse.

— Vamos entrar, senhora. Está frio. — Valenius sugeriu com a sua discrição habitual.

Confirmei e comecei a andar para o castelo enquanto abraçava o meu próprio corpo. Nunca antes eu tinha me sentido tão frágil e desprotegida. Parecia que eu tinha sido largada sozinha na floresta. Eu não tinha a minha mãe, mas também perdera a presença de meu avô e a tão constante presença de papai. Senti o coração pesado no peito. Talvez ele também quisesse me abandonar. Entrei no castelo vazio e escuro, ouvindo o eco dos meus passos. A guarda não fazia barulho enquanto se movia. O eco soava irritante, como duas panelas sendo batidas, uma contra a outra.

Ana Merak - Dever e HonraOnde histórias criam vida. Descubra agora