SOMBRA

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Acompanhá-la o dia todo em silêncio, como sua sombra foi a minha função. Ana parecia maravilhada com a presença da convidada. Eu também estava, pois a princesa Erim era conhecida tanto pela inteligência quanto pela beleza. Muito bela, mas não mais do que Ana. Não aos meus olhos. O mal de observar a minha amada o tempo todo, era que eu me fixava em seus detalhes e isso me gerava desejo. Não pude suportar sem dar pelo menos um abraço em seu corpo quente e aconchegante.

Solis nos atrapalhou. Eu estava no ponto máximo de desejo quando saí daquele quarto. Não aguentava mais a ansiedade, vontade de oficializar tudo. Meus pais já sabiam da possibilidade de eu me ligar com Ana, então, quando contei d'A Árvore, a minha mãe chorou. Ficou emocionada, pois o meu tempo de amar também tinha chegado. Era um presente. Ana tivera um sonho profético certa vez, quando estava na minha casa, mas ela não me contou.

Desci para vistoriar o acampamento da comitiva da princesa e perguntar a Veteri se precisava de ajuda. Caminhei por entre as grandes tendas armadas para acomodar a todos. Havia fogueiras enormes, então o frio não chegava ali. Os homens riam e conversavam enquanto comiam e bebiam ouvindo música que eles mesmos tocavam. Entrei na maior tenda procurando por Veteri e não o encontrei, mas vi todos os guardas de rosto desnudo. Suas peles de diferentes tons escuros, variando entre o castanho claro e o preto. A maior parte deles era jovem, saudável e bela. Os mais velhos tinham cabelos prateados ou acinzentados que contrastavam com suas peles. Eles falavam uma língua em comum, mas não eram todos do mesmo lugar, pois alguns possuíam sotaques nitidamente diferentes dos demais. Impressionava que não fossem eunucos também, mesmo servindo à princesa Erim.

Saí da tenda. Eu sabia que suas aias não eram apenas aias, mas guerreiras também treinadas para protegê-la. O maior engano que se podia cometer era focar somente nos guardas homens.

Encontrei Veteri na próxima tenda, junto ao elefante, que estava descansando.

— Como está? — Perguntei.

— Absolutamente tranquilo. A princesa tem estima por Barakj, então não teremos problemas com ela. E se qualquer um de seus guardas a trair, ela cortará a cabeça deles aqui mesmo. — Avisou.

O gigantesco animal se mexeu um pouco em seu sono tranquilo. Havia uma montanha de comida à frente dele e uma bacia com água muito grande.

— Ela...? — Ri. – Nunca são as realezas que agem.

— No caso de Erim, será ela mesma. E depois enfeitará o próprio rosto com o sangue do traidor.

Olhei para Veteri, espantado. Ele não estava de troça, era tão sério quanto poderia ser. Esperava que nenhum deles fosse imbecil a ponto de fazer isso. Ana ficaria muito abalada se visse essa cena. Ela estava sempre atuando como uma grande estátua de gelo, porém era sensível a algumas circunstâncias.

— E o espião? — Questionei.

— Nenhuma pista. — Veteri replicou. – Falando nisso... Os espiões de Dana estavam por aqui. Creio que amanhã teremos a visita dela. As pessoas são curiosas.

Dei um meio sorriso.

— Vou me recolher, pois é meu turno de descanso. Tenebris está no comando. — Bocejei.

— Vá tranquilo. Polaris e Tellūris já farejaram tudo ao redor e nada está fora do esperado. — Ele se despediu. Eu ia sair e ele me segurou pelo braço. — Parabéns, criança. Eu soube que A Árvore revelou finalmente. Eu disse que assim seria.

Ri baixo.

— O velho Fortarius é um fofoqueiro. — Reclamei de meu pai.

— Deixe de não me toques, Valenius. Seu pai queria compartilhar a alegria de não ter um velho lobo encalhado em casa. — Debochou.

— Vocês não têm jeito. — Balancei a cabeça para os lados.

Veteri soltou meu braço e então me retirei. Estava a caminho do meu quarto quando uma das aias me chamou com um gesto. Olhei para os lados buscando por uma armadilha, mas nada estava fora do normal. A segui como ela pediu. Entramos no corredor dos quartos, passamos pelos guardas e ela me convidou para entrar no quarto de Erim. A passagem estava livre, então tive um mal presságio. Entrei e vi a princesa deitada sobre uma esteira, com roupas curtas de couro enfeitado com ouro. Ela estava de olhos fechados, aproveitando uma massagem de muitas mãos em seu corpo cansado da viagem. A aia sussurrou que eu estava ali, então a bela mulher abriu seus olhos.

Ela se levantou com gestos precisos e elegantes e caminhou até mim, parou logo à minha frente.

— Estou interessada em sua presença, homem. — Revelou. — Qual é seu nome?

— Valenius Luppus, alteza.

— Valenius Luppus, estou interessada. Tenha uma noite em minha cama. — Pediu.

— É muito gentil a sua oferta, alteza, mas irei declinar do convite. — Cortei. Não daria nem uma mísera esperança.

— Por quê? — Ela questionou com pose altiva.

— Já tenho compromisso com alguém. — Expliquei. Não devia ser necessário, mas expliquei mesmo assim.

— Dou-te ouro. Um punhado de ouro. O vento não saberá que você dormiu aqui. Não temas. — Ela insistiu. Entendi que ela pensava que eu estava com medo de ter minha vida arruinada por ser um subalterno.

— Alteza, eu realmente amo alguém. — Falei olhando nos olhos dela e coloquei a mão espalmada sobre o meu coração.

Ela fez um gesto para sua aia e disse algumas palavras. A mulher voltou com uma pepita de ouro em mãos. Eu não ia ceder, já estava pronto para ser mais firme. A princesa pegou o ouro com as suas próprias mãos e o estendeu para mim.

— Para sua família futura ter uma vida próspera e farta. Um presente do reinado de Erim. — Explicou.

— Eu não vou me deitar consigo, alteza.

— Não é necessário. É um presente de boa sorte, para não faltar casa e comida. — Ela sorriu.

Com os olhos marejados eu estendi as mãos, e ela colocou o ouro sobre as palmas, e as fechou sobre ele. Abaixei a cabeça em uma reverência, me sentindo indigno de sua presença. De alguma maneira ela parecia ainda mais inalcançável.

— Saia Valenius Luppus. — Ela ordenou.

Fiz uma reverência, guardei o ouro na bolsa que sempre trazia pendurada e saí sem dar as costas para a princesa. Ela se deitou novamente para ser massageada.

Caminhei até o meu quarto, refletindo sobre essa passagem. Eu poderia ofertar aquele ouro junto ao que eu já tinha, para pagar o dote de Ana. Doeu o coração pensar nisso porque era um presente valioso, mas logo lembrei que o ouro deve servir aos humanos e não o contrário.

Ana Merak - Dever e HonraOnde histórias criam vida. Descubra agora