— Veterilupus, temos alguma novidade? Por que me convocou? — Perguntei enquanto o via em seu trono lupino, dentro da caverna dos Luppus, ao lado de Claralupus.
— Precisamos que você parta imediatamente em uma missão. — Veteri disse cheio de temor. — Há três de nossas crianças em missão na Terra do Gelo e elas estão desaparecidas.
Senti o chão se abrindo sob os meus pés.
— Vocês enlouqueceram? Como puderam mandar alguém para aquele lugar? Eu quase não voltei vivo! — Reclamei enquanto lembrava da minha vez. Eu e Tenebris passamos pelos treinamentos de sobrevivência mais sofridos dentre todos porque ele era o primeiro e eu o segundo na ordem de comando do clã.
— Não fomos nós que escolhemos. Os pais deles insistiram que em grupo seria mais fácil. Não adianta atribuir culpa agora, Valenilupus. Você precisa resgatá-los com vida. — Veterilupus ordenou. Ele não estava apático sobre os perigos envolvidos.
Eu era obrigado a obedecer. Seria difícil, mas não tanto. O problema era me ausentar naquele momento. Por outro lado, as vidas das crianças estavam em jogo. Não havia outra saída.
— Sim, senhor Veterilupus. — Abaixei a minha cabeça lupina e humanóide. — Partirei o mais rápido possível.
— Sinto muito, Valenilupus. — A voz de Claralupus ressoou pela caverna. — Não podemos controlar o destino.
Eu tinha um milhão de respostas para aquela afirmação, mas escolhi apenas sair dali. A minha maior vontade era chorar e correr para os braços de Ana. Ao invés de fazer o que queria, fui para a casa de meus pais, avisar sobre a missão. Era melhor deixar Ana dormir enquanto eu me preparava para partir seu coração, dizendo para ela que eu também a deixaria ali, esperando por mim.
Entrei na cabana e tomei a minha forma humana. Minha mãe me recebeu com um sorriso que logo murchou. Chorei no colo dela, desabafando toda a amargura e culpa que estavam em mim. Ela acariciava meus cabelos tentando me acalmar, dizendo que logo eu estaria de volta e que cuidaria de Ana por mim. Que agora éramos uma família maior para ela e que estariam lá por ela. Não consegui dormir.
Pela manhã tomei um banho, arrumei uma bolsa de viagem com itens necessários e fui para o castelo. Quanto mais rápido eu fosse, mais rápido voltaria.
Encontrei-a no jardim, já acordada, sentada em um banco. O vento frio batendo em seus cabelos soltos. Quando cheguei ela me fitou com seu olhar abatido.
— Preciso te dizer algo. — Dissemos ao mesmo tempo.
Ajoelhei-me na frente dela e peguei suas mãos geladas entre as minhas. Seus olhos se tornaram marejados. Eu pensei que ela já sabia. Ela soltou a minha mão e acariciou meu rosto com carinho enquanto chorava. Eu chorei também, sem emitir som. Havia uma dor tão profunda em seu olhar que eu não conseguia dimensionar.
Esperei ela falar primeiro.
Ela abriu seus lábios secos e finalmente lançou o golpe sem misericórdia.
— Vou me casar com Dionísio. — Disse entre lágrimas e soluços. — Não podemos nos casar.
Havia tanta dor naquelas palavras e, ao mesmo tempo, senti meu coração explodir no peito. Faltou-me ar. Ana se lançou em mim, me abraçando com força.
— Eu te amo, mas eu não posso. — Ela disse entre lágrimas. — Não é sobre eu mesma, é uma decisão minha.
Fiquei em silêncio abraçando-a enquanto mergulhava em sofrimento. Eu a amava tanto e não podia fazer nada. Era um inferno me castigando.
— O que você ia dizer? — Ela perguntou, ainda chorando.
Juntei toda a minha coragem para contar o que ela obviamente ainda não sabia:
— Estou de partida. Preciso resgatar algumas crianças perdidas em um local muito difícil onde fui o único que sobreviveu. — Falei me engasgando com as palavras.
Ana chorou ainda mais e me abraçou ainda mais forte.
— Quando você voltar, talvez eu já esteja casada. — Ela me soltou.
— Talvez eu nem volte, apesar de amar você. Não posso suportar ver você com outro. Não sou capaz de renunciar a esse amor. — Fui honesto.
— Então não volte. — Ela me empurrou com as mãos espalmadas. — Não volte.
— É esse seu desejo? — sussurrei olhando nos olhos dela.
— Sim. — Ela mentiu. — Seja feliz longe de mim.
— Ana... Minha pintora... — Falei envolvido na dor.
Ela chorava tanto que a guarda se aproximou. Levantei-me do chão, coloquei meu chapéu, que tinha caído e ergui a cabeça.
— Nunca se esqueça de que eu te amei. — Falei antes de virar as costas e partir.
E eu ouvi o choro dela enquanto entrava no pomar, na floresta e até quando cheguei nas montanhas e me tornei lobo. Soltei um uivo dolorido enquanto sentia a dor me invadir.

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Ana Merak - Dever e Honra
FantasyAna Merak descende de uma família que se encontrou com a magia em condições adversas. A mãe de Ana era humana, mas foi recrutada para lutar pelo equilíbrio do mundo. Em meio ao caos da vida, a prestigiada Lira Merak deu à luz suas filhas, e teve uma...