Primeiro eu pensei que ela estava triste demais para conversar, ou até mesmo para suportar qualquer presença. Depois, estranhei seu comportamento, mas não havia sinal de magia, ou de qualquer invasão. Duvidei quando Solis disse que Ana queria apenas a minha presença durante aquela noite. Então, eu não esperava que ela fosse ter contato comigo antes de dormir, porque a sua atitude estava atípica. Quando ela abriu a porta, vi como estava bela. Lembrei-me de tempos idos, das noites fortuitas quando ela pintava com a luz das velas, contrastando sua figura juvenil.
Ana estava cheirosa, com um enfeite no cabelo e mandando em mim como sempre tinha feito, a favor ou contra a minha vontade. E eu obedeci, já nem sabia mais por qual exato motivo, mas eu obedeci. Aquela jovem mulher na minha frente, agindo de forma estranha, com o rosto corado e o coração acelerado estava me levando um pouco de equilíbrio. Tão simples, despida de suas riquezas.
E foi aquela, a primeira vez que ela disse que me amava. Era tão surreal que eu não conseguia acreditar. Congelei diante de sua declaração, pois não confiei em meus ouvidos.
— Eu não entendi. — Falei com a minha respiração se tornando difícil para mim. O coração violento no peito, batendo descompassado.
Uma declaração vinda de lugar nenhum, como uma punhalada muito bem dada.
— Eu também amo você, Valenius. Há muito tempo. — Ela sussurrou ofegante, em tom apaixonado.
Ana desabrochou seus sentimentos na minha frente, como uma flor, e me fez entrar em ebulição. Beijei-a como sempre quis fazer, com todo o amor que eu guardava em mim. Com toda a paixão. Toda a minha devoção. Senti-a entregue em meus braços e fui tomado por uma felicidade que nunca tinha experimentado. Euforia mesclada com algo superior. Perdi a razão por algum tempo. Perdi-a, na maciez de seus lábios, na volúpia de seus toques no meu pescoço, no meu rosto, no meu corpo.
Quando a soltei, ouvi Solis comemorando sem vergonha nenhuma. Ela estava dentro do quarto de Barakj.
— Oh! Eu sempre soube. — Ela falou, agitada.
A risada de aprovação de Tenebris veio do telhado, de onde ele fazia vigília. Jamais deixaríamos Ana tão desprotegida quanto ela tinha pedido para estar, mas ela não precisava saber.
— Ei, por que você está com esse sorriso tão bobo? — Ela segurou o meu queixo.
— Porque estou feliz. — Sussurrei ao pé do ouvido dela e mirei o meu olhar no seu.
Ela desviou o olhar, tímida. Corada.
— Arrepende-se? — Questionei cheio de temor.
— Não! — Ela me abraçou com força, como se estivesse me impedindo de fugir. — Não, porque sei exatamente o que eu almejo. E você?
— Depois de todo esse tempo? Talvez. Você esteve tão namoradeira. — Relembrei, demonstrando meu rancor. Eu não podia deixar escapar a oportunidade de desaguar a mágoa.
— Eu sinto muito, Valenius. Eu sempre quis fugir da verdade. — Ela parecia mesmo arrependida.
— Então você sabia? — Perguntei, sem acreditar que ela tinha se enganado por todo aquele tempo.
— Eu sempre soube, mas dissimulei. Perdoe-me. Eu imploro, Valenius. Não tive má intenção. A minha vida foi sempre tão confusa. — Falou com voz de choro.
Afaguei-a.
— Por que agora? — Perguntei. Eu precisava ter certeza.
— Somente agora tive como pensar sobre isso. Espero que não seja tarde demais. — Lamentou-se.
— Não. Nunca seria tarde demais. — Murmurei, acariciando seu rosto com o dedo indicador dobrado.
Metade de mim era felicidade e a outra parte já antecipava os problemas que teríamos. Fazia parte da minha natureza, não tinha como fugir. Avistei a comida esfriando e me lembrei de que ela não tinha jantado. Tudo para armar aquele plano maluco. Fiquei um pouco orgulhoso por ela ter se esforçado por mim.
— Você precisa comer. — Falei. Ela parecia relutante em sair do meu abraço. — Não seja teimosa.
— Não estou com fome. — Ana segurou com mais força.
— Coma mesmo assim. Solis deixou essa sopa no fogo especialmente para você. — Apelei para o lado sentimental.
Ana me encarou um pouco e tombou a cabeça. Acariciei seus cabelos, colocando as laterais atrás de suas orelhas.
— Suas palavras são tão doces agora. Você parece diferente... — Ela franziu o cenho.
— Para cada ocasião uma etiqueta. — Dei uma piscadela. — Você não gosta de mim assim? Prefere mais rústico? Vá mulher, coma a sua sopa!
Ela gargalhou.
— Prefiro que se sinta livre. — Disse, caminhando até a sopa. Finalmente.
Eu podia estar muito feliz, mas não me esqueci de tudo o que tínhamos passado.
Achei oportuno aproveitar a intimidade para perguntar:
— Por que você estava chorando? Solis ouviu...
Ela tomou uma colherada de sopa e seu olhar ficou triste.
— Saudades da minha família. — A voz saiu estrangulada.
— Coma. — Desviei o assunto.
Ela soltou um suspiro, deixou a cabeça pender e esfregou o rosto com as mãos. Pouco depois voltou a comer. Sentei-me na poltrona perto do fogo e comecei a meditar sobre A Árvore. Eu deveria visitá-la em breve.
Quando o inverno findasse também seria o Festim dos Luppus e, depois disso, eu e Ana iríamos nos casar, se o pai dela já estivesse de volta. Ana terminou de comer, se aproximou, tímida e encarou meu rosto. Olhei de volta e dei um tapa na minha coxa. Ela se sentou no meu colo e me abraçou, se aninhando em mim. Senti sua respiração ficando lenta no meu pescoço. Estávamos encaixados quando ela dormiu. Nossos corações batiam um de frente para o outro, criando vibrações que se encontravam.
— Saia daí, Valenius. — Solis mandou. — Não vai dormir com ela enquanto não se casarem.
— Solis... — Sussurrei aborrecido. Não queria sair e deixar aquela tranquilidade ali.
— É uma ordem. — Solis usou de sua autoridade.
Eu poderia não obedecer, mas seria terrível se o fizesse. Criaria um mal-estar desnecessário.
— Vocês nunca me deixam em paz. — Reclamei enquanto me levantava com cuidado e erguia o peso de Ana sem acordá-la.
Ela era leve para mim, mas um homem comum teria dificuldades para levantá-la daquele modo. Uma adulta saudável pesava demais para os braços fracos daqueles imbecis. Eles ainda ousavam cortejá-la. Como poderiam protegê-la? Sacudi a cabeça para espantar os pensamentos territorialistas. Um mal do clã.
Saí pela porta e dei de cara com Solis, de braços cruzados e expressão zangada.
— Você não vai se aproveitar da ausência da família dela. Tenha brio. — Ela reclamou.
— Olha Solis, eu não pretendo fazer nada. Sou honesto. Diferente do seu... — Percebi que estava indo longe demais. — Deixa. Amanhã pretendo visitar A Árvore.
Faça assim, a princesa Erim está perto, então não se ausente enquanto estiverem por aqui.
Fiz um gesto de concordância e fui para o meu quarto, para dormir um pouco. Deitei-me sentindo o cheiro de Ana em mim. Sorri eufórico até o sono me derrubar.

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Ana Merak - Dever e Honra
FantasyAna Merak descende de uma família que se encontrou com a magia em condições adversas. A mãe de Ana era humana, mas foi recrutada para lutar pelo equilíbrio do mundo. Em meio ao caos da vida, a prestigiada Lira Merak deu à luz suas filhas, e teve uma...