VENHA

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Acordei me sentindo pior do que quando dormi. O fogo ainda estava aceso e queimava pleno, alheio aos meus problemas. Uma bandeja com comidas frescas descansava sobre um aparador. Caminhei através do quarto até alcançar a janela de vidro, para observar além dela. O espaço estava tomado pelo branco da neve, que irradiava claridade, apesar do escuro.

Peguei a bandeja de comida, sentei-me ao lado da lareira e comecei a matar a fome enquanto me perguntava como abordar Valenius e demonstrar as minhas intenções. Eu não queria ser dramática e nem tinha tanto tempo para isso. Esses eram jogos juvenis que eu já não podia mais jogar. Eu estava certa do que desejava, porém não sabia o que fazer para alcançar de forma digna. Só o ato de pensar naquilo já fez o meu estômago se agitar, dando nós, enquanto o meu coração acelerava. Eu precisava me segurar muito para não me atirar aos pés de Valenius, implorando para que ele me amasse.

Talvez eu devesse beijá-lo, mas isso era muito drástico e intenso. Ao menos me pareceu demais no primeiro momento, contudo, depois de muito pensar, julguei que o simples beijo poderia ser um ato fraco demais e ele não entenderia a minha intenção de me casar consigo. Todavia, de algum lugar eu deveria começar. Sentindo nervoso, saí do quarto de papai. Antes dei uma olhada no retrato dele e me senti culpada por planejar aquilo logo ali.

Encontrei Solis no corredor e ela sorriu.

— Vejo que está bem. Está até com um sorriso gaiato no rosto. — Disse com certo estranhamento.

Apalpei meu rosto, sentindo que realmente estava sorrindo. Um contraste absurdo com o meu interior confuso.

— Isso é estranho. — Eu tossi para disfarçar. — Quero tomar um banho bem aromático e quente, por favor.

Solis ergueu as sobrancelhas.

— Ana...? Está tão frio, você nem está com mau cheiro. — Ela me farejou como um animal.

— Sinto-me imunda, apesar de qualquer observação elogiosa que você venha a fazer. Pode preparar tudo e me ajudar? — Solicitei outra vez.

Ela fez um gesto positivo.

Fui para o meu quarto e selecionei a roupa de dormir que queria usar. A mais fina. Uma péssima escolha para o inverno. Ruim, porém realçava a minha beleza.

Esfreguei bem as ervas na minha pele enquanto me banhava, para capturar o cheiro. Passei sabão de rosas e pomada nos cabelos. Pedi para Solis me deixar com eles soltos, bem penteados para ganhar balanço enquanto secavam.

— Você vai se enroscar neles enquanto dorme e morrer enforcada. — Ela asseverou-me porque realmente estavam compridos.

— Não vou, sou experiente nisso de ter cabelos compridos. — Retruquei enquanto balançava as minhas longas madeixas.

— Tem algo estranho acontecendo com você, Ana. — Ela me analisou com certa minúcia. — Está tão corada e com um brilho diferente no olhar. Não vejo uma expressão tão leve nesse rosto desde que você foi apresentada para a sociedade.

— É o efeito do banho.

— Estou ouvindo seu coração batendo rápido. — Ela segurou o próprio queixo entre os dedos polegar o indicador.

— Você ouve demais. — Reclamei, desviando o olhar, e soltei um muxoxo.

— Tenho dois ouvidos ótimos. — Ela replicou em uma concordância orgulhosa. — Vou trazer o seu jantar.

— Não o traga. — Pedi, estendendo no ar as minhas mãos espalmadas.

— Mas você precisa de alimento. — Ela contestou.

Ana Merak - Dever e HonraOnde histórias criam vida. Descubra agora