PODER PINTAR

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Foi difícil manter o sorriso no rosto por tanto tempo quando eu estava tão cansada. Eu assisti com grande alívio quando a comitiva dos Nectarius partiu do nosso castelo. Era o preço da diplomacia: o cansaço. Embora, nem de longe fosse pior do que trabalhar lavrando a terra. Mal consegui comer antes, pois Darius não tirava os olhos de mim, o que me deixava desconfortável, encabulada.

Massageei as bochechas quando nos vimos a sós.

— Você se saiu muito bem, Ana. — Vovô elogiou cheio de seu orgulho costumeiro.

— Bem até demais. — Papai esticou o bico e cruzou os braços. — Aquele menino não parava de olhar para a minha filha, Barakj. Você viu?

— É óbvio que eu vi, mas o que podemos fazer? Ela tem a beleza dos Merak. — Ele riu, fanfarrão.

— Estou faminta. — Reclamei, sem conseguir sorrir mais um segundo que fosse.

— Vou pedir para levarem a comida à mesa, pois também estou com fome. — Vovô entrou no castelo em um rompante, com passadas largas.

— Não se encante por aquele par de brincos, Ana. — Meu pai pediu enquanto entrávamos também. — Você vale muito mais do que um presente.

— Seu pensamento é de que sou deslumbrada nessa medida, meu pai? — Questionei ofendida.

Uma joia seria incapaz de me comprar, a não ser que pudesse resolver todos os meus problemas.

Meu pai dispensou o assunto com um aceno de mão.

— Qual é a sua opinião sobre ele, Ana? — Olhou para mim enquanto cruzava as próprias mãos atrás das costas.

— Não tenho uma opinião, pai. Penso que é neutro. É possível sustentar a convivência, pois, se bem me lembro, nossas rés dividem a área de um rio para tomar água. E é segurança para ambos. Podemos conviver em paz. — Ponderei, colocando a mão sobre a barriga que tremia.

— É certo o fato do rio, contudo, se ele quisesse propor a você... Qual seria a resposta? — Tentou por outro ângulo apesar da minha má vontade de pensar em um casamento.

— Não digo que me empolga, mas se for bom para a nossa família e nosso povo, eu posso aceitar. — Respondi sem alegria.

Papai demonstrou uma expressão misteriosa. Algo entre a dor e a dúvida.

— Entendo. É bom que você queira ajudar, Ana. Contudo, seria mais interessante se você tirasse algum proveito disso. — Falou, um tanto preocupado.

— Vejamos se aparecem outros interessados. — Repliquei, genuinamente sem esperança.

Papai sorriu como se eu fosse ingênua.

— Pai...

— Sim? — Ele me encarou.

— Eu quero ensinar as letras para Valenius. — Contei, um pouco circunspecta.

Ele estacou o passo e olhou para meu guarda, que foi pego desprevenido. O fofoqueiro estava absorvendo tudo o que conversávamos.

— E você quer aprender as letras, Valenius? — Meu pai indagou, olhando nos olhos dele.

— Não, senhor. — Valenius pareceu repentinamente nervoso.

— Não? — Papai pareceu confuso.

— Sim. — Valenius desviou o olhar para o chão.

— Sim ou não, menino? — Papai já coçava o queixo com o polegar e o indicador.

Ana Merak - Dever e HonraOnde histórias criam vida. Descubra agora