VISLUMBRE

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O meu tão amado, querido e adorado pai faleceu enquanto dormia. Ocorreu poucos meses depois do nascimento de Auri Lwana.


O dia tinha amanhecido tranquilo como todos os outros dias daqueles tempos. Nos reunimos para tomar o desjejum, como era o nosso costume. Papai sentava-se à cabeceira da mesa, pois eu preferia ficar na lateral, onde conseguia colocar a cadeira para bebês que eu tinha mandado fabricar ainda para Arge. Valenius, Solis, Tenebris, Jis, Pulchra, Arge, Pricila e mais pessoas estavam sentadas àquela mesa que um dia, no passado, já tinha parecido grande demais para a nossa família de três pessoas.


Durante o desjejum, entre curtas conversas paralelas, nós compartilhamos as novidades sobre as vidas alheias. E, como sempre, o cômodo ficou repleto de gargalhadas, risos, expressões de espanto e eventuais choros de bebê. Auri era uma criança tranquila, chorava muito pontualmente quando algo realmente a estava incomodando demais. Ademais, não havia preocupações, pois tinha boa saúde, comia sem reclamar, dormia a noite inteira e não fazia tanto escândalo quando se sujava.


Após o desjejum, vinha alguma atividade ao ar livre, com as crianças. Papai fazia questão de participar, e nisso, passou a me lembrar muito do meu próprio avô Barakj. Fomos caminhar pelo bosque enquanto Arge colhia ervas para o seu próprio herbário. Ele mostrava tudo com empolgação, descobrindo o mundo. E meu pai respondia a todas as suas dúvidas infantis com paciência, enquanto levava Auri no colo, balançando ela. Às vezes cantarolava para ela dormir e sorria, feliz. Plenamente feliz. Os olhos de meu pai brilhavam como esmeraldas sob o sol. Naquele dia ele sorriu muito porque teve a impressão de que Auri tinha dito seu nome. Ou melhor, dito "vovô Borjan", mas era impossível. Então ele provocou a mim e a Valenius:


— Vocês estão com inveja porque eu serei para sempre a primeira lembrança da minha netinha e a primeira pessoa que ela chamou. Ela vai ter uma voz grave e rouca quando crescer. Já ouvi uma vez, em um passado distante, que a voz da velha Lwana era assim. A voz da sua irmã Lwana também era mais encorpada do que a sua. E, eu tenho certeza de que a voz de Auri Lwana será forte dessa maneira. — Ele fez cócegas no queixo dela enquanto ria de pensamentos que não podíamos alcançar. Ele ergueu a criança contra o céu. — Eu sei que você falou, minha pequena flor de ouro. Eu acredito em você.


Valenius riu baixo, se divertindo, e beijou o topo da minha cabeça. Ele não era de expressar muito, mas amava o sogro. Desde muito antes, de seus tempos de menino.


Arge tropeçou e caiu. Acabou chorando por ter ralado o joelho. Papai passou Auri para os meus braços e foi acudir o neto, pegando ele no colo e o acalmando enquanto falava que ele era corajoso e que aquela poderia ser uma marca de heroísmo quando curasse.


No almoço estávamos apenas ele e eu, por algum motivo. Ele me olhou nos olhos e disse:


— Se eu pudesse escolher o seu nascimento por mil vezes, em todas as oportunidades a minha resposta seria afirmativa, porque você é a minha maior fortuna. A grande preciosidade da minha vida, e, por isso, eu me empenhei tanto em te proteger. Porque a nossa família significa felicidade. Nada do que fiz por você nessa vida foi um sacrifício. Todos os meus esforços foram recompensados com muitos motivos para me orgulhar. Para mim, você significa amor puro. Toda vez que você respira eu tenho um motivo a mais para sorrir.


Nós nos abraçamos longamente após a refeição, enquanto eu chorava e ele me acalentava. Eu agradeci, disse que o amava mais do que podia medir e que ele era o melhor pai que eu poderia ter.

Ana Merak - Dever e HonraOnde histórias criam vida. Descubra agora