DERRETENDO

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— Valenius, não estaremos aqui pelos próximos dois dias, então trabalhe mais. — Tenebris bateu a mão no meu ombro e deu uma piscada cínica.

— É injusto que todos os Luppus estejam lá, menos eu. Ana claramente falou que eu podia ir preparar os ritos também. — Reclamei com certa amargura.

Tenebris deu de ombros e cruzou os braços na frente do peito antes de rir.

— Não vai deixar a sua noiva sozinha, apenas com a guarda humana. Poderíamos ter a participação dela também, mas você sabe como a família é animada. — Tenebris me obrigou a lembrar. Era complexo principalmente porque tínhamos uma segunda forma mais grotesca que só era de conhecimento de Lira Merak.

— É... Ana não lidaria tão bem com os sustos de ver cinco pessoas se tornando lobos e estraçalhando um quarto de animal no ar. — Refleti, pensando sobre as bestas humanóides, sobre duas pernas, com suas grandes garras.

— Não mesmo. — Ele riu. — Esse sempre foi um dos meus jogos prediletos, mas você sempre ganhava quando éramos crianças.

— Venço agora também, basta eu querer. — Repliquei, me sentindo desafiado.

— Não basta, pois sequer pode estar conosco. Amante de humanos. — Tenebris provocou.

— Tenha vergonha nesse focinho, Tenebris. Meu Santo Lobo, como você é irritante. — Reclamei, semicerrando os meus olhos. A discriminação por ter um par humano nunca acabava.

Por outro lado, era bom ver ele mais animado do que de costume. Tenebris se tornou austero depois de seu retorno para ocupar o lugar que era de sua obrigação.

— Ah! Como é bom ver a primavera chegar. A minha última primavera sozinho nas responsabilidades. — Veteri se aproximou enquanto alongava os membros superiores.

— Até mesmo Veterilupus estará livre, Valenilupus, e você não. — Tenebris provocou outra vez.

Veteri riu.

— Deixe o menino em paz, sim?! Ele não tem culpa do destino. — Veteri provocou também.

— Eu não aguento mais. Não sou o único lobo que tem uma humana... — Eu parei no meio da fala quando Solis, se aproximando, escorregou no gelo que estava derretendo e tomou um grande tombo.

Tenebris, com expressão apavorada, correu para ajudá-la. Ela estava bem, mas ele insistiu em carregá-la nas costas. Envergonhada, ela aceitou. Então ele sorriu como um tolo e entrou no bosque sem ao menos se despedir de nós, como se nem estivéssemos ali.

— É para isso que serve a força... — Veteri comentou com um sorriso indecente no rosto. — Por isso eles são os primeiros.

Anuí com a cabeça. Solis não era leve, e era exatamente assim que deveria ser.

— Às vezes eu os invejo. Eles são tão livres. — Comentei com uma ponta de pesar.

— Porque você se esquece do resto, Valenius. A posição do outro é sempre melhor do que a nossa, quando não estamos nela. — Veteri fez questão de me lembrar. — Ana acordou. Já vou também, trate de trazê-la com segurança.

— Assim será. — Concordei enquanto ele se afastava.

Eu também ouvi quando Ana saiu da cama e soltou um bocejo sonolento. Estivemos conversando logo abaixo de sua janela. Entrei no castelo e subi até a porta do quarto dela, onde Ina e Estera jogavam um jogo tradicional. Parei ali, ansioso para ver o rosto de Ana naquela manhã. Ela estaria agitada para o Festim, eu podia apostar. Eu sabia exatamente como seria seu olhar para mim, tentando disfarçar.

Mas eu me enganei. Ela abriu a porta e me chamou para o quarto. Entrei, mantendo a minha postura séria. Assim que a porta se fechou atrás de mim, ela me abraçou.

— Bom dia, meu lobo. — Ela sussurrou cheia de ternura.

— Bom dia, meu amor. — Beijei o topo de sua cabeça.

Seus cabelos estavam presos em uma longa trança.

— Gostei da sua barba assim. — Ela acariciou os pelos do meu queixo.

Eu já tinha esquecido as três tranças no meu queixo.

— Então case-se comigo.

— Logo. Tenho esperança disso. — Ela se afastou. — Em qual horário será o Festim?

— Sairemos ao pôr do sol. — Anunciei, pois a festa principal seria naquela mesma noite.

— O que devo vestir?

— Algo quente. — Instruí de maneira simples.

— E os cabelos? Como devo arrumá-los? Estou apreensiva, pois não sei a etiqueta, Valenius. — Ela parecia aflita.

— Não se preocupe, pode usá-los até mesmo soltos. Mas se quiser, posso ajudar você a prender. — Ofereci, puxando ela de costas para mim, arredando sua trança e cheirando a sua nuca.

— Por favor, Valenius... Juro, eu acho que preciso diminuir o comprimento, é difícil cuidar sozinha.

— Não. Eu gosto deles compridos. Sempre que precisar eu ajudo. — Peguei sua longa trança macia e cheirei o comprimento dos fios.

— E se eu quiser cortar? — Rebelou-se.

— Então faça. — Dei de ombros. — Quem pode impedir uma mulher feita de executar suas escolhas?

— Guarde essas presas. — Ela implicou.

Revirei os olhos. Ana às vezes era difícil. Por pouco não perguntava se eu ainda a amaria mesmo que ela fosse uma perna de cama.

— O que a senhora pretende fazer hoje? — Falei em voz alta, para ser ouvido do lado de fora.

— Com a chegada da primavera já devemos estudar o próximo período de plantio e agora vou começar a convocar meus vizinhos para convencê-los da empreitada da estrada. Sinto que não será simples e nem barato, mas depois de muito analisar, creio que teremos um retorno estrambólico. — Ela respondeu entrando em seu humor de administradora. Muito parecida com meu sogro.

— Eu nunca disse isso, mas sou contra uma estrada cortando as terras. Perderemos a privacidade e a segurança. — Opinei.

— Aí é que está, meu amor. Não vai passar por dentro, mas no limite. Nas nossas terras, mas na beira das terras dos vizinhos. É a parte mais plana e branda. Não perderemos nosso refúgio. — Ela sumiu dentro de sua sala de banhos.

O silêncio reinou enquanto eu pensava que Ana trabalharia absurdamente naquele projeto. Ela apareceu novamente, vestida de branco, com os cabelos em um coque arrumado.

– Para quê? — Questionei-a.

Ela se aproximou, olhou para os lados e sussurrou:

— Você não entende. Estive estudando e nossa estrada com toda certeza será uma ótima rota comercial. Vai facilitar o transporte de mercadorias até aqui, diminuindo prejuízos. Podemos fazer dela uma grande rota de comércio e colocar nossos vendedores e vendas em sua margem, para atender os viajantes. Há futuro nisso, acredite em mim. — Ela ficou nas pontas dos pés e me deu um beijo suave.

— Entendo. — Falei, me sentindo um pouco bobo e enfeitiçado. Não importava, eu faria qualquer coisa por ela.

— Pensa que seu pai vai concordar?

— Sim. Ele vai concordar quando entender o quão vantajoso isso será. — Ela falou com confiança.

Eu sorri. Ninguém poderia demovê-la daquela ideia.

Ana Merak - Dever e HonraOnde histórias criam vida. Descubra agora