O CAÇADOR

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One shot de Amanda para Brena.

Há um precipício aonde moro.

Ladeado por duas paredes de terra seca que o vento constantemente leva a cidade, cactos e flores do deserto crescem e se enrolam ali. Não é habitado por ninguém, mas periodicamente caravanas de turistas em direção ao sul do país param por ali. Ou nos finais de semana quando há jovens inconsequentes brincando de perder a vida. A queda é longa, definitiva. Não há vida por ali. Mas certamente há morte.

Corpos pequenos, sem a pele macia de criança, foram encontrados ali. Três crianças; um menino e duas meninas. Irreconhecíveis para os pais, chocantes para o resto da população da pacata cidade. A perícia diz que foram mortos muito antes de serem jogados ali como lixo descartável. Muito antes de terem as peles arrancadas.

A polícia diz ser um caso de serial killer com obsessão por crianças.

- Esse caso tá arrancando a merda pra fora da cidade.

Tiro a atenção da TV com chiados, onde uma reportagem sobre as melhores lojas para se comprar armas e defender seu filho passava. Gein está a uns cinco passos, apoiado no batente da porta, as costas curvadas do esforço que seu corpo faz para aguentar a imensa pança. Mesmo de onde estou, sentado atrás da mesa típica de escritório, consigo sentir seu hálito de cachaça.

Eram apenas nove da manhã (seu novo recorde) e eu poderia apostar que em cima da sua mesa havia uma garrafa de Rum pela metade. Então era nisso que sua vida se transformava quando você virava policial de uma cidade pequena e sem crimes. Um alcoólatra de barriga grande com uma caixa de rosquinhas sempre a mão e um travesseiro acolchoando sua cadeira de trabalho.

Eu estava ali havia apenas um mês e já pressentia meu futuro.

- É o primeiro grande crime em décadas por aqui, deixe eles se animarem um pouco. – cruzo os braços e me recosto na cadeira. Meu escritório de policial era relativamente espaçoso, para uma delegacia pequena e sem função. Havia um armário na parede, onde normalmente se guarda relatórios de casos antigos ou resolvidos. Estava vazio, a não ser pelas teias de aranha.

- E como é que você sabe? Pelo o que eu sei, não esteve aqui nos últimos dez anos. – a amargura era notável.

Gein possuía um enorme problema com o fato de eu ter nascido e sido criado aqui, mas ter me mudado para a cidade grande depois do grande acontecimento. As vezes ele fazia questão de esquecer o motivo pelo qual sai, quase sem escolha e sem uma mala nas mãos. Mas agora eu estava de volta, mais sem vida do que nunca, e Gein parecia ter a sensação de dever cumprido sempre que me lembrava disso.

Nunca fui do tipo que se acomoda e espera que a vida passe por você como um trem na estação. Vivi como um louco drogado aos 16, o típico adolescente americano, e aos 20 me mudei para Nova York sem qualquer alegria que as pessoas tem quando se mudam para a cidade que nunca dorme. Hoje, aos 30, moro em um apartamento minúsculo em um cruzamento da cidade, ladeado por vizinhos de mau caráter. Mesmo que eu não possa dizer que sou diferente deles, me incômoda ter vindo parar aqui.

Seja pelo constante cheiro amargo de cigarro no ar, seja pelos dois túmulos no cemitério abandonado.

- Não está na hora de você ir pra puta que pariu?

Sua risada em resposta ecoa pelo cômodo, mesmo quando ele já bateu a porta.

...

- JACK! – a voz estridente da secretária chega aos meus ouvidos no estante e que ela abre a porta em um rompante. – Tem uma garota aqui querendo falar contigo, deixo entrar?

- É alguém que eu conheça?

- E eu lá sei quem você conhece, só sei que ela se diz chamar Andy e tem cara de novinha. Você não é pedofilo é?

Amigo Oculto LiterárioOnde histórias criam vida. Descubra agora