SEGREGAÇÃO

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De Caren para Evanio

Perante o juiz, o promotor, advogados, minhas tias e meu primo, me levanto da mesa um tanto trêmula e nervosa. Pego aquele pedaço de papel que nos reuniu nesta manhã de terça feira. Me posiciono na frente de todos e começo a ler o testamento:

– Se vocês estão lendo isso, isto é porque fui desta para melhor. A vida é feita de coisas boas e ruins. E a minha se fez mais feliz quando encontrei aquele bebê embrulhado em uma manta num quarto de hospital, onde trabalhei durante anos. A mãe dela era portadora do vírus HIV e a amamentou, indo embora logo depois. Deus que me perdoe, mas aquela maldita fez isso de propósito, apenas para infectar a pobre criança.

"Me senti tão abalada que quis ficar com ela. Demorou um pouco por causa da burocracia, mas consegui levá-la para casa comigo. Seus olhinhos verdes e sorriso banguelo me encantaram. Eu já a amava como se fosse minha filha. Pode não ter saído de dentro de mim, mas nasceu em meu coração.

"Ela teve uma adolescência difícil, onde sofreu muita discriminação por ser apenas ela. Eu tentava fazer com que aquilo tivesse fim, mas eu não sou capaz de acabar com a maldade do mundo.

"Quando lhe trouxe comigo, eu jurei para mim mesma que iria te dar tudo do bom e do melhor para que você não pensasse que foi rejeitada, abandonada, mas eu falhei. Lhe peço mil desculpas, minha filha, mesmo sabendo que minhas palavras não vão apagar tudo o que você passou.

"Mesmo depois que Júlia foi morar no Paraná, para fazer faculdade de direito, eu rezava por ela todos os dias, ligava para saber se estava bem e como estava sendo viver em outro estado. Mas, quando adoeci, ela mostrou-se a melhor filha do mundo, vindo me ver e não saía de perto de mim para nada. Até me contou, o que era segredo, que ela estava gostando de um rapaz que cursava medicina.

"Além de Júlia, que é meu alicerce, minhas duas irmãs, Marta e Caroline, são os anjos que Deus colocou em minha vida. Durante toda minha trajetória elas estiveram do meu lado, me dando todo apoio.

"O filho de Carol, o Roger, é um doce de menino. Ele e Júlia sempre viviam em pé de guerra, mas se amavam. Até me lembro do dia em que o vi roubando uma bitoquinha dela. Fiquei feliz em ver que minha filha do coração pudesse estar gostando do meu outro filho do coração.

"Por isso peço a vocês, que são minha família, que aproveitem a vida ao máximo. Eu aproveitei tudo o que tinha que aproveitar e chegou a minha hora. Não quero que fiquem se lamentando com a minha ida, mas que cuidem da vinda de vocês. Tracem os melhores planos para vossas vidas e que sejam muito felizes.

"Quero deixar minha casa em Angra dos Reis, a casa que morei antes de morrer, meu carro e 60% de todos os meus bens para minha filha, Júlia Monzazca. Deixo também minha casa de praia em Paraty e 40% do meus bens para meu sobrinho, Roger Moura e minhas irmãs, Marta e Caroline Monzazca.

" Espero que façam bom uso dos bens que agora são de vocês e que sigam os conselhos da velha Maria das Graças".

Ao terminar de ler o testamento de minha mãe, eu não sei se chorava ou ficava corada pelas revelações que ela fez em sua carta. Minhas mãos estavam mais trêmulas do que quando comecei a ler a carta, pois ainda conseguia sentir seu cheirinho de flores do campo.

Meu advogado me ofereceu um d'água para que eu pudesse me acalmar, o que aceitei sem questionar.

– Aqui, Júlia. – Marta ofereceu-me um lenço e fez um carinho meu ombro esquerdo, pedindo para que eu me acalmasse.

– Então estamos resolvidos. – Anunciou o juiz. – Júlia Monzazca ficará com o que é seu por direito e os outros presentes também. Dentro de quinze ou vinte dias poderão fazer uso dos bens. – Levantou-se e nos pediu licença, retirando-se da sala. – Tenham um bom dia.

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