De Rebeca para Danielle
O começo.
Éramos como uma brisa de verão. Suave, delicada, confortável. Você me observou quando entrei naquela lanchonete e me sentei na mesa mais afastada. E você foi até mim, mas queria que não tivesse ido. Eu me sentava sempre àquela mesa para fugir das pessoas. Não queria conversa, não queria contato, não queria relacionamento. Mas você foi até lá, invadiu meu espaço e me conquistou com seu sorriso torto, com seus lábios que mostravam um belo sorriso.
Eu nem desconfiava, mas suas palavras não eram como doces. Eram como droga. Me davam prazer momentâneo, mas me causariam mal em algum momento. É irônico como naquele dia você elogiou meu batom vinho. Disse que eu ficava linda com ele. Mal sabia eu o que você verdadeiramente pensava naquele dia. Você me perguntou se poderíamos nos ver novamente e eu aceitei.
Nós namoramos por um tempo e minha paixão avassaladora me cegou. Eu não vi os sinais. Você passou a ser minha obsessão. Note que usei a palavra obsessão e não amor. Não. Aquilo não era amor. Não chegava nem perto disso. Mas foi lindo o começo, foi sim, tenho que admitir. Mas não valeu a pena. Se fosse voltar no tempo, não escolheria chegar perto de você nem por um segundo.
O meio.
Decidimos morar juntos e foi aí que a coisa começou a piorar. Nos tornamos chuva. Às vezes era bom e tínhamos momentos incríveis. Mas às vezes era horrível e doloroso. Você passou a implicar com minhas roupas, os lugares que eu ia, me perseguia, me sufocava. Dizia coisas horríveis. Puta. Trouxa. Piranha. Imprestável. Inútil.
Passou a quebrar minhas coisas. Ficava possesso porque eu falava ao telefone com um amigo de faculdade. Explodia porque eu não te avisava que ia demorar no mercado. Dizia que eu tinha outro. Aliás, você havia decidido em sua cabeça que eu tinha outro e ponto. Às vezes se irritava comigo no meio do shopping e começava a gritar. Me envergonhava. Me humilhava. Mas eu estava presa a essa obsessão que era você.
Depois de cada explosão você vinha pedindo perdão como um cachorro sem dono, chorava, dizia que nunca mais faria isso, que eu era a coisa mais preciosa para você. E eu queria tanto acreditar que aceitava. Dava a você sempre um voto de confiança. Chorava sozinha. Não dividia com ninguém as minhas dores. Perdoava e seguia a vida. Mas você não parava de ser nocivo. E eu continuava nesse vício terrível. Me drogava de você. Tinha momentos de alegria passageiros e depois vinha a overdose, a dor, as consequências do vício. Eu tentava te vomitar, mas não conseguia. Estava presa. Até que a coisa passou dos limites. Você me bateu.
O fim.
Éramos então uma tempestade. Tenebrosa. Com raios, granizo e trovões absurdos. Você pedia perdão chorando de novo, prometia mudar e isso realmente acontecia. Digamos que por uns meses tínhamos uma bela calmaria. Tudo estava bem e tranquilo.
Até que por um deslize, uma ligação perdida no meu celular. Um número desconhecido. Você surtou de vez. Me acusou novamente, me disse todas aquelas palavras terríveis, me destruiu. Inventou um romance na sua cabeça e começou apontar diversos sinais que eu dava, pistas que só existiam na sua cabeça. Pegou o vaso e tentou me acertar. Foi aterrorizante. Você veio até mim e me segurou pelo pescoço. Pensei que era o meu fim e de repente você parou.
Parou com a violência física, mas continuou com a tortura psicológica. Me disse que você não era assim, que a culpa era toda minha, que eu despertava esse seu lado violento, dizia que se você não me amasse tanto não seria tão possessivo e "protetor". Implorou para eu não ir à polícia e eu, por medo de não dar em nada, por receio de ser desacreditada, aterrorizada com a possibilidade de você me procurar depois para me matar, continuei presa ali e não fui embora.
Apanhei. Diversas vezes.
Menti para meus amigos. Diversas vezes.
Tive medo. Diversas vezes.
Fui abusada, machucada, maltratada e humilhada incontáveis vezes.
Mas cansei. Eu nem sei o que foi que me deu a força para me libertar mas dei um basta nisso. Fui à polícia. Te denunciei. Me mudei pra longe de você, mas te deixei um último recado.
*
_"Hoje, mesmo que você me enterre de todas as formas possíveis, eu continuarei me sentindo viva. Você queria me cobrir, mas depois me desnudar. Queria me acariciar, mas também me espancar. Queria me olhar, mas não queria que mais ninguém olhasse. Dizia que eu ficava linda de batom vermelho, mas me mandava tirar.
Hoje não, hoje não tem você. Não existe o que você acha, não existe sua opinião. Não preciso aguentar sua língua ferina, seu linguajar sujo, seu olhar desaprovador, sua mão em meu pescoço, seu tapa na minha cara.
É só que cansei. E até que enfim cansei. Não tô ligando mais pra nada além de mim. E já não era sem tempo! Não quero mais o seu desejo, não quero mais ser sua posse. Quero a calmaria de um amor sincero e verdadeiro.
Quero o respeito que nunca tive de você. Aliás, você vivia dizendo que não me dou ao respeito. E talvez seja a melhor coisa que você me disse. Vou me respeitar agora, e vou fazer isso começando por te expulsar da minha vida. Quero ser minha e de mais ninguém.
Então, pode me enterrar. Eu não vou morrer agora que já sou livre."_
*
Em caso de violência doméstica, não se cale! Denuncie pelo 180.
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Amigo Oculto Literário
Short StorySorteio entre amigos do grupo do Whatsapp ajudando escritores, em que cada participante recebe em sigilo o nome de outro a quem deve presentear com uma one shot.