One de Mariana para Danielle
O calor estava de matar. Nem mesmo o ar condicionado de seu carro conseguia impedir o suor que descia pelo coro cabeludo. Henrique só pensava em chegar em casa, tomar aquele banho e dormir até o Natal. Não antes de comer uma pizza da Domino's, é claro.
Sua coluna fez um estalo absurdamente alto e só assim ele percebeu que havia finalizado seu turno. Deu a seta para a direita e dobrou a esquina. Já estava quase chegando no apartamento.
Mas para provar que nada ia como ele desejava, avistou um homem na calçada, pedindo para que parasse. O homem pulava e seus gritos eram escutados mesmo com as janelas fechadas. Era só o que me faltava, pensou. Sua mente cansada o dizia para ignora-lo e seguir em frente, mas sua conduta como taxista já estava o fazendo estacionar em frente ao homem.
— Me leve em frente! — gritou o homem em alto tom, se sentando no banco de trás. Pelo espelho, Henrique pôde ver ele estava descalço e carregava consigo um litrão de 51. Seu cabelo negro estava todo bagunçado e a camiseta azul estava cheia de manchas. O mal hálito podia ser sentido do banco da frente.
— Frente... onde? — perguntou Henrique, ainda sem entender o destino que deveria seguir.
— Uai, cê não sabe? — soluçou, abraçando a garrafa como se fosse seu bem mais precioso. — Como eu vou saberrr? — gargalhou. Deus, me dê paciência, pediu Henrique, fitando o volante.
— Não tem ninguém para quem eu possa ligar? Quero dizer, alguém que você...
— Me leve pra lá! — interrompeu o bêbado, apontando na direção de uma rodovia sem fim.
— Você tem... certeza?
— Mas é claro!
Ah, com certeza. Afinal, uma pessoa completamente bêbada a ponto de usar uma garrafa como microfone e cantar músicas da Simone e Simaria está sã o suficiente para indicar ao taxista que caminho deveria seguir.
Se arrependimento matasse, Henrique era o próprio defunto. Resolveu fazer a vontade do bêbado. Quanto mais andassem, mais iria receber no final.
O bêbado havia parado de cantar. Henrique olhou pelo retrovisor e o viu observando o movimentos dos carros pela janela. Quando chegaram perto de uma esquina, o homem gritou:
— Viraaaa! — Henrique, pego de surpresa, virou o volante bruscamente, ouvindo a cabeça do bêbado bater contra a janela. Diversos carros buzinaram por causa da dobrada do taxista.
— Caralho! Não faça mais isso! — berrou Henrique, colocando a mão no coração. Iria ter um ataque cardíaco a qualquer momento.
Henrique dobrou outra esquina, com o bêbado gritando as "coordenadas" no pé do ouvido. E depois dobrou outra. E mais outra. Até chegarem na mesma rodovia que estavam antes.
Nesse passo, a corrida não ficaria menos de 35 reais. Pelo menos todos os berros e gargalhadas que azucrinavam em seu ouvido seriam recompensadas.
Depois disso tudo, Henrique se achou no direito de saber o nome do seu cliente. E assim evitaria carregá-lo novamente.
— Então... como se chama? — perguntou Henrique, ajustando o retrovisor.
— Vai pra lá, pô — ignorou o bêbado, apontando para uma loja de sapatos mais adiante. O que ele queria fazer numa loja de sapatos desse jeito? pensou. Talvez estivesse cansado de andar descalço.
Henrique parou em frente à loja e virou-se para o banco de trás. O bêbado olhou para ele e abriu o bocão em gargalhadas.
— O senhor vai me desculpar — soluçou, abrindo a porta do carro. — Mas eu to mais duro que esse banco.
Henrique não sabia se ficava com raiva por ter sido passado para trás ou porque o homem havia reclamado do assento de seu carro.
O bêbado saiu do carro, deixando Henrique boquiaberto, e jogou a garrafa na lata de lixo mais próxima. Começou a caminhar normalmente e entrou na loja como se fosse mais um consumidor ansiando por um novo par de sapatos.
— Que malandro filho da... — xingou, caindo a ficha de que o homem não estava nem um pouco bêbado e que havia sido enganado todo esse tempo.
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Amigo Oculto Literário
Kısa HikayeSorteio entre amigos do grupo do Whatsapp ajudando escritores, em que cada participante recebe em sigilo o nome de outro a quem deve presentear com uma one shot.