Vendo o Mar

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De Caren para Danielle

PS: O nome da praia é fictício e não há nenhuma conectividade com o real.

A dor da perda nos leva a fazer loucuras. Bagunça nossa vida e deixa uma enorme interrogação onde deveria haver uma vírgula.

As águas daquele mar ainda perturbam meus devaneios e minhas noites mal dormidas. Instantaneamente toco no lugar que deveria ser o meu braço, mas encontro somente o vazio.

Desde que perdi Alberto para aquela criatura repleta de dentes e amedrontadora, nunca mais tive coragem de encarar o mar de dentro de um barco. Só ouso olhá-lo de longe. E ainda sim, só o vejo com uma enorme mancha vermelha.

**

05 de janeiro de 2015

Era um glorioso dia de verão. Estava um calor dos diabos (o que instigou o povo a vestir uma roupa de banho e vir para praia).

Havia alguns meses que eu e Alberto planejávamos fazer uma segunda lua de mel, pois nosso casamento estava por um fio; toda aquela paixão que tínhamos um pelo outro no começo foi como uma fogueira: quando acessa, podia-se ver as chamas de forma bem vívida; porém, aos poucos vai apagando. E estava prestes a apagar definitivamente.

Andávamos tendo muitas brigas e nosso tempo era quase inteiramente destinado ao trabalho. Além do mais, façamos na pindaíba no final de 2013. O lado bom é que conseguimos nos reerguer. Mesmo que aos trancos e barrancos.

– Vamos, Paula. Não podemos ficar o dia todo na cama. – Levantou-se e me puxou junto consigo. – Tem esse marzão todo esperando pela gente.

– Eu sei, mas aqui tá tão bom. – Joguei-me novamente na cama e tentei puxá-lo de volta (o que não deu muito certo).

– Também queria ficar. – Me deu um selinho. – Mas não pagamos passagem de avião e hotel para não aproveitarmos o Rio de Janeiro.

Apesar dele ser um tanto grosseiro e não medir as palavras, aquele era seu jeito. Após quatro anos de casados, já estou acostumada com isso.

– Tudo bem. – Suspirei e ergui os braços em rendição. – Você venceu.

Tomamos um banho delicioso juntos e fomos para praia. Por ser uma dia de semana, não estava muito cheia.

Eu queria tomar sol, pois estava meio pálida e precisava de um bronze, mas Beto insistiu em irmos dar um passeio de barco. Por mais que estivesse irritada com isso, não falei nada e o segui. Fomos caminhando de mãos dadas.

O sol estava tinindo de tão quente, mas a brisa do mar fazia o trabalho de nos refrescar.

Havíamos marcado com uma equipe de guias e outros turistas para passearmos pela águas da praia de Senhora da Boa Viagem.

Ela possuía águas mornas e esverdeadas, proporcionando não apenas um bom mergulho no mar, como também um excelente plano de fundo aos olhos. A faixa de areia é longa em vários trechos da orla, onde é comum admirar coqueiros e as pessoas caminhando logo cedo.

Assim que avistamos um toldo armado no meio da praia e vários turistas em volta, percebemos que estávamos atrasados para as instruções dadas pelos guias e pelo homem que conduziria nosso passeio.

Apressados, fomos correndo ao encontro deles e ouvimos o que estava sendo dito.

– Como disse anteriormente, em hipótese alguma tirem os coletes. – Disse um dos guias. – Vocês irão ver o quão lindo é admirar as águas de tão perto. É possível até ver petitingas, que são aqueles peixinhos que comeremos quando voltarmos. Aposto que irão gostar. Ainda mais acompanhado de uma farofa, salada e uma cervejinha.

O último comentário arrancou risadas de todos nós.

Logo já estávamos dentro do barco e ele zarpou.

Demorou cerca de quinze ou vinte minutos para que chegássemos ao mar aberto. Olhando assim de longe, os coqueiros deixavam a praia ainda mais bonita.

O horizonte me fazia refletir sobre como as coisas em nossas vidas são passageiras; que devemos aproveitar cada momento. Olhar para o infinito mar me trazia um sentimento de paz. Não sei explicar.

Ter pela primeira vez a visão do mar dentro de um barco num momento tão bom quanto o que eu estava tendo com a pessoa que eu amava era tão bom.

Olhamos um para o outro e sorrimos instantaneamente. Fomos aproximando nossos rostos e nos beijamos. Era um beijo pleno, repleto de amor.

Mas o clima ao nosso redor não era como o que existia entre nós. Uma áurea estranha nos rodeava, o que me deixou tensa e separei nossos lábios.

– O que houve, Anjo? – Olhou-me com o cenho franzido.

– Não sei. Tô com um mau pressentimento. – Levei a mão ao peito.

Olhei para o braço de Alberto que estava para fora do barco e vi que a ponta de seu dedo sangrava.

– O que foi isso no seu dedo?

– Nossa, nem tinha visto. Devo ter me cortado em algum prego.

As gotas de sangue caíam no mar.

A partir daí, tudo passou em câmera lenta.

Sentimos alguma coisa se chocar contra o barco, o que o destruiu parcialmente.

Os gritos dos passageiros nos deixavam ainda mais agoniados e perdidos, sem entender o que estava acontecendo.

Rapidamente cada pedaço do barco foi sendo destruído, dilacerado.

Alguns pularam para dentro do mar e foram engolidos por enormes criaturas com dentes afiados e sedentos por mais.

Alberto foi um deles.

Ele até tentou me puxar, mas resisti.

Não houve palavras entre nós naquele momento, apenas olhares. E o dele dizia que devíamos pular, mas não fui; segurei num pedaço de madeira e segurei o pingente da Virgem Maria.

Pouco a pouco vi Alberto, o amor da minha vida, ser destroçado por um tubarão.

A enorme mancha de sangue rodeava aqueles destroços do que fora um barco.

Aquela sensação de paz que antes eu sentia, fora dissipada quando aquele mau pressentimento cutucou-me.

Apenas fechei os olhos e senti uma forte dor no braço direito. Depois disso, só senti as ondas carregarem-me para algum lugar.

Meu mundo agora estava escuro, vazio.

**

Hoje faz dois anos que perdi Alberto. Nem posso ir a um cemitério levar flores para ele e disser-lhe o que estava se passando, pois não sobrou nenhuma parte de seu corpo para que fosse enterrado dignamente.

Seus restos mortais estavam perdidos no fundo do mar da praia de Senhora da Boa Viagem.

Depois do acidente, nunca mais ousei ir em alguma praia. Muito menos entrar num barco.

Mas na noite passada sonhei com Beto. Ele me dizia para não me limitar por causa de uma tragédia; que um braço a menos não iria me impedir de ser feliz, de ter aquela sensação de paz que o mar infinito havia me causado.

Posso até estar sendo louca, mas aluguei uma estadia em Mar Grande, Bahia. E para poder chegar lá, teria que fazer uma travessia de barco.

Eu sei que nesta região não há risco de tubarões, mas a insegurança instalada em meu peito não iria sumir.

E cá estou eu, dentro de um barco, olhando o horizonte que me trás sensação de paz.

Algumas lágrimas escorriam de meus olhos, pois lembrar que Alberto se fora sempre me doía e não conseguia segurar o rio de que saía de meus olhos.

E pela primeira vez de você eu estava olhando o mar de dentro de um barco.

Instintivamente, toquei meu braço, lembrando-me daquele trágico dia. Mas eu precisava seguir em frente. E faria isso por você, Alberto. O anjo que me sonda de lá de cima.

Amigo Oculto LiterárioOnde histórias criam vida. Descubra agora