A BRUXA DO ARQUIVO Z

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One shot de Leo para Wania

O primeiro dia no hospital talvez fosse o mais difícil de toda a minha vida. Minha mãe falara e repetira mil vezes para que eu procurasse outra coisa para fazer, mas não dava para fingir que eu não gostava daquele lugar.

— Luana, eu sei que pode ser assustador no primeiro dia, mas creio que você irá se acostumar.  —Rogério, falou sorrindo.
— Eu não estou assustada. — falei olhando para a repartição que se estendia a minha frente. — Não é por que eu sou jovem, que eu não encararia esse trabalho incrível de frente.

Ele olhou para os computadores e para os arquivos empilhados atrás do balcão. Eu havia passado naquele concurso público com sorte, o hospital estava ali me esperando para ser a melhor do meu departamento.

— Você sabe que o Hospital da Baleia está com poucos recursos e pode ser que percamos bastante contratados. — ele falou me entregando um tablet com tabelas e agendas. — O trabalho vai ser o mesmo, e a quantidade de funcionários para realizar vai ser menor. Não desista da gente, por favor.

Dei um sorriso do que ele falou, mas em partes eu sabia que podia acontecer. Meu curso de técnica de administração não ia me salvar da situação politica do país, muito menos do estado falido. Mas eu não sabia explicar como eu me sentia em estar ali. Era uma das poucas que trabalharia em um hospital antes de terminar a faculdade de medicina. Era o meu sonho e eu não desistiria.

— Não vou. — falei por fim, ajeitando a roupa do hospital que era larga no meu corpo e coloquei as mãos no jaleco que eles haviam me dado.
— Esse setor é o de radioterapia. — Rogério falou tentando ser otimista. — Os médicos vão sufocar você pedindo exames, fichas, agendas, mas não se desespere, está tudo nesse tablet.
— Tudo bem.

Ele deu um tapinha nas minhas costas amigável e saiu do meu andar. O cheiro de sujeira e mofo no lugar dava um tom sombrio que eu não tinha notado antes. O andar inteiro era grande e desarrumado, os arquivos pareciam muros que não tinham fim, mostrando um labirinto em que eu poderia me perder facilmente.
Mais a frente tinha a recepção onde uma jovem começava seu expediente. Queria dar um pulinho lá, mas parecia errado no momento. Ela parecia explicar procedimentos e métodos aos pacientes que davam entrada na radioterapia.
Aquilo ia ser um serviço solitário.
Andei pelo meu departamento devagar para conhecer o local e os arquivos que eu teria que manusear. Quanto mais eu me amaranhava naqueles armários, mais eu me sentia sufocada. Parei no arquivo Z e olhei um poste-it colado nele. “Não fique nesse lugar. Fuja enquanto tem tempo. Eles vão matar você.”
Olhei para o papel de novo e ele parecia ser novo. O que significava aquilo? Abri o arquivo e dei um grito quando um morcego saiu lá de dentro. Tentei recuar para sair daquele lugar do departamento e dei de cara com uma faxineira.

— Indo a algum lugar? — a senhora sorriu de modo perturbador.
— Desculpa, eu… — comecei a falar, mas a mulher não me deu atenção e levou seu carrinho de limpeza para os fundos.

Aquele era um ótimo jeito de começar.

* * *
Estávamos entrando no inverno e o movimento de pacientes começava a cair drasticamente, o que era um alívio por que finalmente poderia respirar sem um médico em cima de mim pedindo ficha, agente ou um cafezinho. Por que eles eram tão mandões? Eu estava no segundo período de medicina e jurei que eu nunca seria como eles.

— Luana, eu já vou indo. — Érica, a enfermeira que trabalhava na recepção falou. — Hoje só tinha alguns pacientes, e para minha sorte eles ligaram desmarcando por causa do tempo.
— Não quer me ajudar com as papeladas? — perguntei fazendo um beiço.
— De jeito nenhum. — ela sorriu. — Se divirta com a papelada.

Ela acenou e pegou o elevador. Comecei a arrumar as fichas dos pacientes de ontem nos arquivos, quando Rogério chegou do seu jeito galã de ser. Além da calça jeans justa, ele estava com uma jaqueta de couro que o deixava no estilo badboy.

— Não acredito que você não está se arrumando para ir embora. — ele falou sorrindo. — Olha a tempestade que está armando.
— Eu quero esperar a faxineira. — falei o olhando séria. — Não estou gostando do jeito que ela tem limpado meus arquivos. Estou tendo uma trabalheira para deixar tudo em ordem e toda a noite na hora de limpar, ela tira os exames do lugar.

Rogério me olhou desconfiado e antes que me respondesse algo, um trovão estremeceu o lugar.

— Não temos faxineira. — ele falou se recompondo do susto. A luz piscara e ameaçara cair.
— Temos sim. — falei o olhando. — Uma senhora passa aqui toda noite resmungando e falando sozinha. Ela finge limpar o chão, mas só faz espalhar sujeira.

Ele me encarou quando a chuva começou a cair.

— Não temos nenhuma faxineira Luana. — ele falou olhando para os lados. — Mal temos um segurança para vigiar o hospital. A limpeza das repartições são feitas aos domingos pela equipe de limpeza de rua da prefeitura.
— Como assim? — eu olhei para seus olhos que agora pareciam assustados.
— Não temos outra faxineira. — ele falou esperando uma reação de mim quando o som de uma das gavetas do arquivo se batendo nos atingiu.

Outro trovão soou pelo local e a luz falhou umas três vezes até se findar de vez.

— Começou a chover. — ele falou tentando fazer com que o medo passasse, enquanto estávamos no escuro.
— Rogério… — comecei a falar quando o barulho de gavetas batendo recomeçou.

Rogério me olhou e acendeu a luz da lanterna do seu celular e começou a andar pelos arquivos da repartição. O que é que estivesse batendo as gavetas, parecia nervoso. Andamos até o arquivo Z onde encontramos a faxineira batendo a gaveta do arquivo Z.
Mas não era mais a mesma idosa que eu vira nos dias atrás. Era uma velha com raiva e suja de sangue. Um grito ecoou pelo departamento quando tudo em nossa volta começou a pegar fogo.

— Você devia ter ido embora quando teve chance. — a bruxa me olhou com seus olhos de um tom castanho indo para um negro total.

Rogério correu me deixando ali, mas uma menininha apareceu e cravou uma faca no seu pescoço. Eu cai ajoelhada no chão, sem entender nada. Meu estômago se revirou quando a menina sumiu e apareceu ao lado da velha.

— Nós avisamos a você. — a velha sorriu e seus dentes viraram cobras que me atacaram antes que eu pudesse gritar por minha mãe.

Aprendi do pior jeito, que aquela repartição era mal assombrada e jamais vou esquecer: cuidado com a bruxa do arquivo Z.

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