Mudança de Terapeuta

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De Karina para Danielle

TIC, TAC

TIC, TAC

Era o único som que se podia ouvir, naquela sala infernal. Com o óculos caído e o olhar intrigado, a doutora Laine escrevia algo em seu bloco de notas, porém não sabia “o que”, já que não pronunciei nenhuma palavra desde que cheguei. Talvez pelo choque de ser ela, aliás, nunca imaginei conversar sobre meus problemas com a causadora de tudo.

Quando o doutor Henrique me informou da sua aposentaria, foi o maior choque que poderia tomar naquela semana.

— Você não pode me deixar, doutor! — reclamei, me levantando num sobressalto — Logo, agora que estou começando a me adaptar a isso.

— Madalena, fique calma, sim? — gesticulou com a mão, para que sentasse novamente, e obedeci — Há tempos venho adiado isso, mas minha esposa e eu chegamos a conclusão que preciso disso. Amo todos meus pacientes, mas neste curto tempo que me espera, preciso aproveitar ao lado de minha família.

Explicou calmamente, como sempre fazia em nossas sessões. Doutor Henrique era calvo de cabelos brancos e usava sempre roupas claras, juntamente com sua famosa gravata borboleta. Seu bigode era sua marca registrada, mantido até mesmo no seu cartão de visitas, exibido na recepção de sua sala. Sempre simpático, foi sua sutileza que me fez pela primeira vez dar continuidade em meu tratamento terapêutico.

— Planejam viajar? — questionei, tentando não demonstrar interesse, observando minhas unhas.

— Um tour de carro pelo nordeste, nada muito aventureiro — deu uma piscadela, mas não sorri. Não havia motivos para isso. Ele era como um pai para mim, muito mais, como o primeiro amigo que tinha há tempos.

Ele se levantou e sentou ao meu lado, segurando em minhas mãos com carinho.

— Minha querida Lena, sabe que não te deixarei com qualquer profissional. A pessoa que cuidará de seu delicado caso, é uma conceituada psicóloga e muito prestigiada. — contou, pela décima vez — Acredite! Além de ser jovem e não tão velha como esse ser que vos fala.

— Quanto mais velho, mais experiente! — ressaltei, sem ânimo.

Ele soltou um riso seco e se levantou.

— Você vão se dar bem! — deu dois tapas leves em meus ombros e voltou ao seu lugar — lembre-se do que te disse nas sessões passadas. Precisa abrir espaço para novas experiências em sua vida.

Verdade, ele sempre dizia isso, porém era mais difícil do que parece.

— Vou sentir sua falta! — sussurrei, pra mim, na intenção de que não ouvisse.

— Também irei Lena, também irei — voltou seu olhar pra mim e esboçou o canto dos lábios, um sorriso.

Entretanto, isso era passado. No momento o doutor Henrique devia estar nadando em águas claras e eu? Bom, eu estava de pernas cruzadas em cima da poltrona, encarando aquela vaca que o doutor ousou dizer ser uma ótima profissional. Levemente ela passou a caneta pelos lábios carnudos avermelhados, pelo batom. Que psicóloga usa batom vermelho em suas sessões? Isso era o cúmulo. Cruzou as pernas, ainda me analisando e suspirou.

— Para que isso der certo, precisa falar Madalena! — sua postura era formal, quando pôs o pequeno bloco sobre a mesinha ao lado, e repousou as mãos sobre as pernas.
Revirei os olhos lentamente e voltei parando meu olhar nela, que não havia esboçado nada com minha reação.

— Pode fazer uma coisa por mim? — perguntei e ela assentiu, pensando ter conseguido algo — Meu Toc está me matando. Será que pode acertar seu óculos?
Ela o retirou e o colocou próximo ao bloco de notas.

Amigo Oculto LiterárioOnde histórias criam vida. Descubra agora