Humor Lábil

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One short de Pippa para Dayane

Minha vida era uma merda, minha mãe era costureira, meu irmão mais velho era vendedor de bala no sinal, tinha mais quatro irmãos menores, mas dois deles estão sendo criados pela minha tia, Eneida. E eu só pensava em uma coisa: sumir do mundo!

Tenho depressão há muitos anos, na escola disseram que podia ser porque meu pai foi embora e nos deixou na miséria, mas muito antes disso eu já me sentia inútil no mundo.

Comecei um tratamento com o psicólogo da escola que aparecia lá uma vez por mês, mas logo terminei o ensino médio e parei de ir às sessões.

Eu me cortava direto, minimizar as dores internas e treinar para um dia criar coragem e aprofundar o corte.

Tudo piorou quando fiquei com o Gilson, um carinha da rua de baixo e perdi a virgindade com ele. Aquele filho da puta passou uma semana inteira dizendo que me amava e que nossa primeira vez seria mágica, só pra eu ir pra cama com ele e o pior é que minha primeira vez nem foi numa cama, foi atrás de um entulho de um ferro velho que tinha lá perto de casa.

Minha mãe vivia dizendo que ele era não boa pessoa e que só queria sexo, logo sairia fora. Eu fiquei com tanto ódio dela, que se pudesse teria ido embora de casa naquele dia mesmo, mas o Gilson morava com os pais também e eu não teria coragem de ir pra lá.

Mas foi dito e feito, ele sumiu logo depois que transamos e passei a odiar a minha mãe por isso. Pois nada me tirava da cabeça que ela tinha rogado praga em mim. Eu ligava pra ele todo dia e mandava mensagem e nada. Ele teve a cara de pau de me bloquear de tudo.

Minha mãe é aquela típica mãe, que quando quer falar com você chama todos os seis filhos até acertar seu nome. Isso mesmo, mesmo faltando dois que não moram com a gente, ela grita todos eles antes de falar o meu nome.

— Selminha! — Eu sabia que ela queria me chamar, mas deixei que chamasse todos eles e até meu primo, Romildo.

— Que é? — respondi no mesmo tom.

— Leva essa calça pra dona Marli, ela vai precisar amanhã cedo.

— Ah, mãe, pelo amor de Deus! — Peguei a calça e vi uma pequena lâmina numa prateleira de aviamentos. Peguei e saí.

— Pra que você quer isso?

— Pra enfiar no cu — respondi grosseiramente quase somente para mim, até parece que ela se importava comigo.

— Ah tá, quando acabar me devolve, por favor. — pediu, mas o que ela entendeu?

— Aff! — bufei.

— Aff, o quê? Eu vou precisar, vai logo se depilar antes que eu desista de te emprestar.

— Mãe, você não enxerga mesmo, né?

— O que, fia? — ela perguntou levantando o olhar para mim. — Seus pelos? Não. Tá tão ruim assim?

— Eu estou deprimida, mãe. — quase gritei e engrossei um pouco a voz. — Quero morrer. Você não vê, não está nem aí, eu peguei o negócio e você não perguntou nada.

— Perguntei sim, você disse que era pra enfiar no cu, tua sorte é que sou boa, se eu fosse a Eneida teria te matado com um soco na boca. Aí o teu desejo de morrer teria se realizado, sua desaforada de uma porra — ficou furiosa apertou a minha mão e arrancou o barbeador, cortando o próprio dedo ao pegar de mau jeito. — Saiba que se você se matar vai passar o resto da vida no inferno porque eu jamais vou perdoar. E aquele marginal vai ficar por aí pegando tudo que é mulher dessa comunidade... — Ela apertou o meu bíceps e me colocou para fora da sala de costura depois de um empurrão e fechou a porta.

— Eu não preciso de você me derrubando mais ainda, sua louca! — gritei e devia ter ficado calada, pois ela saiu e veio em minha direção.

— Repete! — mandou com os olhos vermelhos. — Repete, sua mal agradecida. São onze horas da noite, eu estou trabalhando, você está fazendo o quê? Depilando o cu? Não, tá tentando se matar. Por quê? Por causa de macho.

O meu irmão chegou naquele momento.

— Que confusão é essa? Dá pra ouvir os berros da esquina... — ele disse isso e correu, pois minha mãe estava na cola dele.

Eu ri da cena, minha mãe com aquela boia de gordura na cintura correndo pra alcançar o meu irmão, que se deu muito mal por desafiá-la daquele jeito.

— Volta aqui pra tu ver, seu infeliz. — ouvi minha mãe falar arfando, voltando a sala pequena.

— Calma, mãe, você está vermelha...

— Vou ficar é preta com vocês, estirada nessa sala a qualquer momento. Dura.

— Mãe, calma, vem cá. Desculpa...

— Depois que tu quase me mata com essa história de se matar? Aceito desculpa nenhuma e vem me ajudar... 

— Ah, mãe, vamos dormir, amanhã a gente faz isso...

— A gente? — deu um soco seguido de um empurrão no meu braço — tu parece uma morcega, sua demônia. Olha a hora que quer tentar se matar, tem o dia todo.

— Eu estudo

— Estuda ou dorme?

— Estou deprimida, mãe. Queria matar o Gilson!

— Se ele te ligasse tu voltaria pra ele? — ela perguntou e me olhou de cima.

— Não, estou com ódio, só queria me vingar mesmo. Não aceito que ele só quis... — parei de falar, não queria falar aquelas coisa com a minha mãe.

— Tentou falar com ele de todo jeito?

— Tentei. Ele me bloqueou em tudo.

Minha mãe apenas pegou o meu celular e enviou uma mensagem de texto.

Ela pediu que eu confiasse nela e me fez prometer que jamais voltaria para ele, e prometi. Eu estava querendo que ele morresse. Queria conseguir falar com ele e dizer umas boas isso sim.

Minha mãe devolveu o meu celular no dia seguinte com 15 ligações perdidas e 38 mensagens do Gilson.

SMS:

“Oi, Gilson, tentei falar com você esses dias e você não me atendeu, só queria dizer que fiz uns exames e aconselho você a fazer também. Seja feliz!” 

Amigo Oculto LiterárioOnde histórias criam vida. Descubra agora