Primeiro Fora

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A vida é feita de momentos

De Ariane para Rosie

Há dias, como hoje, que sinto um enorme vazio. Fico questionando onde errei. O que fiz, ou deixei de fazer, para ter chegado onde estou. Vem a saudade do garoto sonhador que se aventurava sem medo pelo mundo. Que tinha vários amigos e um sorriso fácil no rosto.

Não sou mais assim.

Entro com a cadeira de rodas na apertada porta do meu quarto e sigo para a janela. Empurro um pouco a cortina e observo o mundo lá fora. O dia também está de mau humor. O céu cinza escuro e as árvores do jardim balançando suas folhas com rigidez mostram que uma tempestade está chegando. O que hoje me deixa com medo, já foi diversão garantida. Nem sei contar quantos banhos de chuva tomei pela vida.

Suspiro, cansado.

Fecho a cortina com força e reparo em minhas mãos. Nem elas são mais as mesmas. A pele enrugada e manchada, veias à mostra, provam que a idade chega para todos. Até para mim. Quem diria que eu completaria 80 anos? Há um tempo atrás nem eu acreditava.

Empurro a cadeira de rodas em direção à pequena cômoda que fica do lado da cama para procurar meus óculos. Preciso ler um pouco para distrair a cabeça. Abro a gaveta e passo as mãos por ela. Nada. Sílvia deve ter tirado do lugar durante a limpeza.

Apoio o peso do corpo na lateral da cadeira e faço força para me mover. Os olhos alcançam a ponta da gaveta. Não encontro o que procurava, mas vejo lá no fundo outra coisa para minha distração. Algo que não vejo há muitos anos. Com as pontas dos dedos, empurro a caixa de papel para frente e consigo pegá-la.

Tento controlar a respiração antes de abri-la. Qualquer esforço me deixa muito cansado.

Minutos depois, coloco o objeto no colo e passo as mãos na tampa para tirar o pó. Será que é uma boa ideia relembrar tantas memórias justo hoje? Ignoro meu cérebro e encaro minha vida em fotografias e cartas. Dezenas delas. Uma lágrima solitária cai pelo meu rosto.

Mexo nas lembranças sem foco, até encontrar uma imagem que prende minha atenção. Pego com saudosismo uma foto da Maria Eduarda, meu primeiro amor. Está linda com os raios de sol iluminando seu rosto angelical. Foi Carlos quem tirou. No canto esquerdo, está anotado de caneta 1953. Eu tinha 16 anos, não tem como esquecer. Foi a primeira vez que levei um fora. Lembro como se fosse ontem...

***

— José, quando você vai chamar Maria Eduarda para sair?

— Nunca, Carlos... Ela nem olha para mim —confesso triste, arrumando os óculos que insistem em escorregar pelo meu nariz.

— Para com isso! Se não tentar como vai saber se ela aceitaria?

— Ela não vai aceitar. É uma menina linda e rica. Sou um nerd pobre, magricelo e cheio de espinhas.

— É o cara mais inteligente e divertido da escola.

— Quem diz é o meu melhor amigo, isso não conta nada.

Pego a câmera fotográfica em cima da mesa do laboratório e o bloquinho de anotações. Eu e Carlos somos editores do jornal da escola. Sempre gostei de escrever, não vejo a hora de terminar o ensino médio para tentar outra bolsa de estudos, agora na universidade. Saio caminhando com ele insistindo na péssima ideia de chamar Maria para sair.

—A gente devia inventar uma matéria com ela e suas amigas. Daí você se aproxima e conversa.

— Que matéria a gente inventaria?

Amigo Oculto LiterárioOnde histórias criam vida. Descubra agora