Mudança de plano astral

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De Laís para Evanio

O fim é só o começo

Por mais que soubesse que aquela era uma situação de pânico, sentia–se vazio e apático. Apesar do silêncio que fazia, conseguia ouvir vozes distantes, mas estas pareciam pertencer à outra dimensão, como quando uma ligação telefônica interfere na outra.

Não sentia mais dor nenhuma e isso era bastante esquisito, levando em conta que sentira a dor mais insuportável de todas, há pouco mais de meia hora. Na verdade, parando para pensar, será que fazia mesmo só meia hora? Quanto tempo teria passado? Horas? Dias? Talvez semanas? Não podia afirmar com certeza. A única certeza daquele momento era que alguma coisa muito estranha estava acontecendo.

'Será que eu morri?' perguntou–se, tentando identificar qualquer indício de vida nele mesmo.
Se pelo menos pudesse ver alguma coisa, além desse breu todo, talvez pudesse entender alguma coisa.
'Então é isso que acontece depois da morte? Não existe mesmo esse lance de céu e inferno?' indagou–se novamente.

– É claro que existe! – respondeu uma voz estridente, quase dentro do seu ouvido.

Então tudo ficou claro e Marcos se viu em uma sala pequena, com uma mesa e duas cadeiras. Em uma delas estava sentado um homem franzino, usando um terno vagabundo. Não devia ser muito mais velho do que ele. Sobre a mesa, havia um livro enorme e muito velho.

– E é para isto que eu estou aqui – completou. – Sente–se, meu jovem. Mal posso esperar até ver o que temos aqui.

Sem entender muita coisa, Marcos sentou–se na cadeira. Sentia–se desconfortável, como se não pertencesse aquele lugar.

– Vejamos... – cantarolava o homem enquanto folheava o livro, como se aquilo fosse extremamente divertido. – Aqui está: Marcos Custódio da Silva.

– Ei! – exclamou, alarmado. – Como você sabe meu nome? Nós não nos conhecemos.

– Você não me conhece. Mas eu te conheço muito bem – corrigiu. – Agora, faça silêncio que eu preciso ler isso aqui.

Enquanto o homem, muito concentrado, lia páginas e mais páginas, Marcos indagava–se a todo momento o que aquilo tudo significava. Tentava reparar na sala que se encontrava, mas não havia nada nela que pudesse ser reparado.

– Formidável! – exclamava o homem. – Formidável! Há muito tempo não via um tão bom como esse!

– O que é tão bom assim? – indagou Marcos, curioso.

– Sua vida, oras! – tornou, como se fosse óbvio. – Você tem uma história maravilhosa.

– Quer dizer então que eu morri? – perguntou.

– É claro! Por que outra razão você estaria no purgatório?

***

– Ei, espera aí! – exclamou Marcos, indignado – Eu pensei que São Pedro fosse o responsável por isso aqui!

– E é. Mas ele é um homem ocupado. Você por acaso sabe quantas pessoas morrem por dia? Nem você, que era o 'senhor trabalho' daria conta disso – zombou o homem. – Mas não se preocupe. Ele só nos delegou essa função porque confia muito no nosso trabalho.

– Sei... – resmungou.

– Vamos começar. Marcos Custódio da Silva, trinta e oito anos, divorciado, dois filhos, gerente de hotel. Uma vida bastante pacata, se me permite.

– Pois é.

– Mas me deixe confessar uma coisa: você é o meu tipo favorito! – exclamou, com um sorriso sádico no rosto.

Amigo Oculto LiterárioOnde histórias criam vida. Descubra agora