DESEMPREGO

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De Sandy para Laís

Igual a mamãe

Prazer, meu nome é Laís e vou contar a minha história.

Tenho 7 anos e sou uma fugitiva, mas antes disso, muitas coisas aconteceram...

Antes morávamos em casa: eu, mamãe, papai e meu irmão Leo. Mamãe se chamava Maria, mas todos chamavam ela de Mariazinha, porque ela era pequena e magra, exceto papai que a chamava de roxinha. Ela ganhou esse apelido, porque sempre que discutia com papai, ela saia com tons roxos do quarto. Eu queria ser como ela, então peguei minhas canetinhas e fiz uma bola roxa no meu olho e riscos no meu braço. Papai não gostou e mamãe ficou ainda mais roxa, mas dessa vez, ela tinha quebrado o braço. Eu a ouvi chorando nesse dia e chorei também. Nessa época eu tinha 4 anos.

Quando eu tinha cinco anos, percebi que mamãe estava mais amarela e abatida. Perguntei se ela estava doente e ela disse que sim. Então ela disse que tinha câncer. Mas até onde eu sabia, quem era do signo de câncer, era quem nascia em junho ou julho, porque a Bia, minha amiga, nasceu em 4 de julho e era de câncer. Mas a Bia não estava dodói e mamãe sim. Passaram-se alguns meses e enquanto ela estava penteando seu cabelo, uma grande mecha caiu. Fiquei assustada e ela também. Depois desse dia, ela ficou careca. Ela chorou e eu também. Peguei a máquina de cortar cabelo do meu pai e fui cortar o meu cabelo para dar a ela, mas ela não gostou nada disso. Eu só estava tentando ajudar.

Meu irmão, vendo aquilo, começou a ficar estranho. Papai era o único que trabalhava. Mamãe colocava o dinheiro no pote de biscoito. Ela me ensinou que não devemos pegar nada de ninguém, mas o Leo não obedecia ela. Eu via tudo. Ele pegava e pouco tempo depois chegava em casa com um negócio estranho e fedido que soltava fumaça. Um dia ele me viu observando e me ameaçou. Papai viu aquilo e o expulsou de casa. Mamãe tentou defender e ele bateu nela. Pulei nas costas dele para que ele parasse com isso. Ele me agarrou pela cintura e me jogou em cima da mesa. Perdi o ar e tudo ficou preto. Quando acordei estava tudo doendo. Olhei para o espelho e ganhei um olho roxo, igual a mamãe e também riscos nos braços.

Nos meus seis anos, papai abandonou mamãe. Seu cabelo já estava começando a nascer e eu estava feliz. Nunca imaginei que quando meu pai nos deixasse, seria tão bom. Mas outra coisa veio nos entristecer. Ouvi mamãe dizendo a vizinha que o "desemprego" estava acabando com ela e ela precisava do "emprego". Que ela estava fazendo faxina, mas não era suficiente. Ela também contou a vizinha que ela abria buraco nas frutas e legumes da patroa, para eles parecerem podres e ela jogar fora, mas na verdade ela trazia para casa, para nós duas comermos.

Eu tentei ajudar mamãe. Saí nas ruas perguntando se alguém tinha emprego para ela, até que um dia uma mulher gostou de mim e disse que ia me levar até ele. Fiquei toda feliz, mas ela me enganou. Ela me levou para um lugar escrito "Conselho Tutelar". Eles disseram que chamariam minha mãe, mas demorou muito. Escureceu e aí sim eu vi minha mãe. Saí correndo e a abracei. Ela disse:

– Laís, porque você fez isso, minha filha. Eu ia conseguir. Não quero perder você. – Ela chorou e eu chorei.

A mulher que tinha me levado, disse que enquanto as coisas não normalizasse que eu ficaria lá. Eu xinguei ela porque eu queria ir com a mamãe, mas ela não me ouviu. Passou uma semana, duas, três... parei de contar. Eu chorava todo dia chamando por mamãe, mas ela não aparecia.

Esses dias a mulher disse que eu não poderia ficar mais com minha mãe e que outras famílias queriam me ter em seu lar. Eu não aceitei nenhuma. Semana passada veio um menino aqui, um pouco mais velho e me perguntou assim:

– Você é filha da Mariazinha?

– Sim. Você sabe onde está minha mãe? – perguntei já querendo chorar.

– Está na cidade dos pés juntos. – ele começou a rir.

Depois disso, comecei a procurar uma maneira de fugir e percebi que a mulher sempre saía na hora do almoço. Saí de fininho, achei a chave enquanto a recepcionista foi ao banheiro e corri muito, até meus pés se cansarem. Olhei para todos os lados, mas ninguém sabia onde minha mãe estava. Vi um homem sujo e fedido deitado na porta de uma loja e perguntei se ele sabia onde era a cidade dos pés juntos e ele apontou para um lugar escrito "cemitério". Corri lá para dentro.

Dentro desse lugar, vi vários quadrados com cruz em cima, mas nada da mamãe. Cansada, me sentei em cima de uma dessas pedras. Passou um tempo e um grupo de pessoas chegou chorando com um caixão no meio delas. Fiquei escondida observando. Dois rapazes disseram:

– Cara, como que o Leo pode fazer isso? Pegar uma arma e atirar na própria cabeça?

– Foi mexer com drogas, perdeu a mãe, o pai sumiu. Espero que a irmã esteja melhor. – disse o amigo dele.

– Melhor nem pensarmos em mexer com essas coisas, caso contrário, nosso destino será o mesmo: a cidade dos pés juntos. – respondeu o outro se afastando.

Fiquei surpresa por saber que mamãe e Leo estavam juntos nesse lugar. Eu precisava estar com eles. Andei por todos os lados procurando uma maneira, até que vi um guardinha deixando sua guarita, enquanto falava com um homem. Entrei escondida e mexi nas gavetas até achar uma arma. Como ela era pesada! Imaginei que fosse mais leve. Levantei e mirei em minha cabeça. O guarda me viu e correu gritando "não".

Apertei o gatilho, como vi uma vez na TV os policiais fazendo e senti uma dor forte, seguida de uma paz. Abri meus olhos e mamãe estava me aguardando do outro lado, junto com meu irmão.

Ela tinha cabelos longos, não estava muito magra e sua cor, agora, era como a minha: banhada por luz. Ela sorriu e eu sorri.

Amigo Oculto LiterárioOnde histórias criam vida. Descubra agora